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Apelos à Calma

Detesto apelos à calma, sobretudo quando pouco fundamentados. De certeza que havia quem, no Titanic a afundar-se, havia quem gritasse “calma, tenham calma!” – mesmo sabendo que os botes salva-vidas não chegariam para todos e que o navio não tinha salvação. É como se a calma se tornasse num fim em si mesmo e não como um meio para se atingir um objectivo mais importante, como por exemplo salvar o máximo possível de vidas. Então, quando os apelos à calma se tornam cada vez mais estridentes, o efeito pode ser o oposto e podem esses apelos desencadear de vez um pânico incontrolável.

Os discursos dos políticos e dos organismos oficiais sobre a crise financeira têm sido tudo menos tranquilizadores, apesar dos seus esforços em incutir calma em investidores e depositantes. Sabem todos muito bem o efeito catastrófico que teria na banca e na economia em geral uma corrida aos depósitos, sobretudo sabendo-se que nos EUA os bancos emprestam em média 96 cêntimos por dólar depositado e que na Europa os bancos têm emprestados um euro e quarenta por cada euro depositado (porque se endividam para emprestar). O que quer dizer também que nem adiantaria correr aos depósitos, já que todo o dinheiro depositado está emprestado. Mas quando nos dizem para não corrermos aos bancos levantar as poupanças, não é isso que querem dizer. Pretendem apenas transmitir-nos a ideia de que não razões para isso, de que o sistema é sólido e que há válvulas de segurança que o vão manter seguro.

Mas há histórias mal contadas: quando o Primeiro-Ministro nos assegura que o Estado vai garantir as poupanças, está a dizer-nos que as garante a 100%? Mesmo quando há limites, pelo menos para já, de €25.000,00 a essa garantia? E um discurso muito insistente sobre essa matéria não incentivará aqueles que têm mais de €25.000,00 depositados a levantar o seu dinheiro do banco? Quando o governador do Banco de Portugal diz para se não acreditarem em rumores sobre falências iminentes na banca, parece esquecer-se do velho provérbio que diz que “não há fumo sem fogo” – sendo certo que rumores desse género correm mundo e que provocaram já tumultos em Hong Kong. Isto é: os mercados e os particulares estão à beira do pânico e única coisa que têm a dizer-nos é “tenham calma”.

Há histórias mal contadas e há estratégias de apaziguamento da opinião pública que podem correr muito mal, sobretudo quando não são acompanhadas de informação actual e credível. Era preferível falar abertamente, divulgando os nomes dos bancos em maiores dificuldades (e não são obrigados eles próprios a transmitir essa informação à CMVM?) e dizer o que é possível fazer sobre o assunto, até porque já todos anteciparam os piores cenários. E talvez não fosse má ideia o Banco Central Europeu baixar significativamente as taxas de juro de referência, dando alguma margem para respirar aos bancos, às empresas e, em geral, a todos nós.

Por: António Ferreira

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