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Aparição Milagrosa

Corta!

A estreia de Mário Barroso como realizador não é o milagre que o cinema português há muito espera – e que nos tempos mais recentes apenas «O Delfim», «Esquece tudo o que te disse» e «Os Imortais», por lá perto andaram. Mas, e não sendo este filme esse tão ansiado milagre, que permitirá, um dia, o reencontro do público português com o seu cinema, «O Milagre Segundo Salomé» surge como autêntica aparição no meio de um marasmo de filmes portugueses que ultimamente têm tido direito a estrear, enquanto outros ficam em poeirentas prateleiras. Aguarda-se ainda a estreia em sala, por exemplo, do filme de Luís Fonseca, «Antes Que o Tempo Mude», naquela que é talvez a mais interessante proposta para a indicação de um novo caminho possível de cinema em Portugal, mas que apenas lá fora encontra algum reconhecimento, como o prova o recente prémio recebido em Buenos Aires. Entretanto, os muito criticados «Portugal S.A.», «Tudo Isto É Fado», ou «Maria e as Outras», que basta ver os trailers de apresentação para que nos tranquemos em casa (com medo, muito medo), lá vão tendo direito às suas semanas de exibição, em salas repetidamente vazias, culpa de um público talvez não tão parvo como alguns julgam.

Adaptação do romance de José Rodrigues Miguéis, «O Milagre Segundo Salomé» seria, há uns anos atrás, motivo de polémica, pela abordagem aqui feita às aparições em Fátima. Quem os pastorinhos aqui vêem surgir é tudo menos virgem, e nem Maria faz parte do seu nome. Com um elenco repleto de valores seguros, onde Nicolau Breyner (uma vez mais, depois da sua formidável interpretação em «Os Imortais») brilha como pouco se vê por cá; são também algumas novas caras que sobressaem. Ana Bandeira, no papel da Salomé do título, é já a maior revelação do ano. Onde andavas tu, Ana?

Estimulante, pensado em todos os pormenores, da fotografia à realização, passando pelo guarda-roupa ou banda-sonora, optando por caminhos pouco óbvios, o que para uns será um desafio, com recompensa final, para outros não passará de um mistério ou enigma sem direito a resposta final. Espera-se agora que Mário Barroso, habitual director de fotografia de nomes como Manuel de Oliveira ou César Monteiro, se tenha entusiasmado e regresso rápido à realização. O cinema português precisa e o público (pelo menos algum) agradece.

Tivessem colocado legendas neste filme e muitos, mais desatentos, julgariam, por momentos, estar a assistir a um dos muitos filmes de Hollywood que invadem os nossos ecrãs. Não de um Hollywood qualquer, mas daqueles que em Fevereiro se vestem de gala, preparam discursos, ensaiam sorrisos e procuram um qualquer espaço na lareira lá de casa. Filme a não perder, só será pena se acabar por ser visto por pouco mais que três «pastorinhos», como já vem sendo hábito no cinema português.

Por: Hugo Sousa

cinecorta@hotmail.com

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