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Ao som do Cavaquinho

observatório de ornitorrincos

Depois da confirmação do Professor Aníbal como próximo presidente da república (assim mesmo, com minúscula) ouvi uma senhora – uma popular, como dizem os jornalistas – dizer de forma comovida “ganhou o nosso Cavaquinho!”. Em Portugal, os diminutivos são verdadeiramente aumentativos afectivos. Ao que mais gostamos e a quem mais queremos apequenamos com sufixos.

Nem Cavaco Silva, político rígido austero, se livra de ser “o nosso Cavaquinho”. Este diminutivo, além do carinho que lhe está subjacente, empresta ao próximo presidente uma conotação musical interessante. Talvez os instrumentos tradicionais portugueses nos ajudem a entender de melhor forma a aborrecida vida política nacional. As presidenciais como se fossem uma fanfarra académica. Como líder da banda, o referido homem-cavaquinho, quase não se dando por ele, mas realmente marcando o ritmo – pouco espectacular e bastante eficaz. Manuel Alegre, vocalista e solista à guitarra portuguesa, consegue belos trinados que encantam a parte esquerda da plateia. Com a pandeireta, Mário Soares, que com os seus saltos é o elemento que mais banzé faz, acaba por irritar o público com os seus excessos. À viola, Jerónimo de Sousa toca sem brilhantismos para captar novos ouvintes, mas com afinação de sobra para não afastar os seus fiéis. Entregue às piruetas do estandarte, Francisco Louçã. É aquele que mais dá nas vistas, há prémios especiais para a sua performance, mas na realidade é absolutamente irrelevante para a música propriamente dita. Finalmente, Garcia Pereira seria um dos elementos do coro, cuja voz não se consegue realmente ouvir por baixo de toda aquela chinfrineira garrida.

Num encontro internacional de tunas, esta bela equipa teria fartas possibilidades de arrancar, no mínimo, uma menção honrosa. O que já não seria mauzinho para uma bandinha que actua ao som do cavaquinho.

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Nota

Este espaço está mais curto do que o habitual para permitir qualquer intervenção do primeiro-ministro – que pode não ter sido informado pelo seu staff daquele que é o tamanho habitual da coluna – sem ter de atropelar o final do meu artigo. Mantendo o espírito do texto fiel à metáfora musical, diria que José Sócrates, na noite de domingo, pôs a boca no trombone e, embora não calando Manuel Alegre, elevou o som dos metais acima da voz do poeta.

Por: Nuno Amaral Jerónimo

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