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Anunciado na TV

Parece haver desempregados mais desempregados do que os outros e que incomodam mais o poder e os partidos. Houve centenas de milhar de portugueses que perderam o seu posto de trabalho este ano, mas as atenções parecem focar-se numa minoria. Não é tanto como se os outros não tivessem direitos, é mais como se estes tivessem mais direitos do que os outros. É verdade que há empresas que fazem mais falta ao país do que outras. É verdade que a Delphi tem uma dimensão muito maior do que a Jopilã ou a Efilã, empresas dos Trinta recentemente encerradas por insolvência, mas os seus desempregados têm exactamente a mesma dignidade e muitos não só as mesmas necessidades mas talvez ainda mais.

Periodicamente acontece isto: fecha uma empresa e vai a televisão fazer a reportagem; aparece rapidamente um político a tirar dividendos da situação e depois um membro do governo a fazer promessas. De repente, converte-se a tragédia dessa empresa e dos seus trabalhadores numa tragédia nacional e aparece, vindo do nada, uma solução de última hora, tão precária como as atenções da televisão mas sempre reconfortante. Depois, quando as atenções estiverem viradas para outro lado, poderá essa empresa desaparecer mansamente e em quase silêncio. “Fizemos tudo o que era possível”, murmurará alguém.

Antes de mais, há que recordar que a Segurança Social e a nossa legislação sobre desemprego e formação profissional prevêem o que o país pode fazer pela generalidade dos trabalhadores que percam o emprego. Depois, que são um insulto para todos os desempregados anónimos, e uma injustiça, as atenções de privilégio que alguns merecem só pela notoriedade e dimensão pública do seu caso. Vivemos numa república e num estado de direito, em que todos merecem tratamento igual, em que a lei é aplicada cegamente a todos. Ou deveria ser. É verdade que situações excepcionais merecem tratamento excepcional, e isto está implícito no princípio da igualdade, mas é preciso definir muito bem a excepção, e deixá-la bem clara no momento da sua aplicação – que todos aqueles que não tiveram direito a elas estão atentos.

Os desempregados da Delphi merecem todo o nosso apoio e este não pode ser menor nem maior do que aquele que damos a todos os outros desempregados. Se queremos fazer alguma coisa por eles, e devemos fazer o que for possível e justo, então preparemos os que perderem o emprego para o seu próximo posto de trabalho e criemos condições para que este apareça. Que o Instituto de Emprego e Formação Profissional e a Câmara Municipal da Guarda reúnam e vejam que postos de trabalho irão ser criados na PLIE, que competências serão aí necessárias e de que forma se devem preparar rapidamente os desempregados da Delphi – e da Jopilã, da Efilã, da Sotave, da Sepol, etc. – de modo a poderem candidatar-se.

Não pode é continuar a governar-se o país à medida dos caprichos dos picos de audiência das televisões ou das primeiras páginas dos jornais.

Por: António Ferreira

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