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Angústia na escola*

Exmo. director de O INTERIOR, quero felicitá-lo pelo editorial, pois acertou no tema mais mediático do momento, no entanto gostaria de o alertar para o prejuízo, pelo menos moral, de falar de assuntos tão complexos de forma algo superficial e simplista, correndo portanto, o risco de não passar disso mesmo. Ora, o que os professores precisam e ainda não conseguiram foi fazer um esclarecimento adequado da opinião pública, que a Sra. Ministra conquistou, para sanear os professores. Deste modo, os professores estão à mercê de uma comunidade escolar que ora confia no professor dos seus filhos, ora desconfia mordazmente e perturba a sua normal aprendizagem pois, incute, quer queira, quer não, no seu educando uma atitude de desconsideração e de desconfiança também no seu professor/educador. Assim, na escola, vivem-se momentos de grande angústia, pois à escola faltam meios de punição dos mal educados e agressivos e falha o objectivo primordial que é ensinar a aprender, em clima de franca partilha de saberes e de ambiente proporcionador de aprendizagens válidas para a vida, dos futuros cidadãos. É isso que a deontologia dos professores e educadores pretende; foi para isso que se formaram e, na grande maioria dos casos, com vocação. Porém, a Sra. Ministra incutiu a desconfiança e descrédito, repassando a ideia de que somos os vilões e culpados de todos os mal formados, de todos os iletrados e ignorantes que proliferam no ensino, chegando mesmo a abandoná-lo. Agora até somos avaliados em função do nível de abandono escolar e em função das aprendizagens que os alunos conseguem realizar, independentemente das suas capacidades inatas! Repare que as escolas estão a funcionar num regime de normalidade e os que não têm capacidade cognitiva têm que a “aguentar” ou desistir. As alternativas para estes alunos sem vocação para a aprendizagem acabam por “estorvar” a quem quer continuar os seus estudos e ir mais além, do que a escolaridade obrigatória. A escola, neste momento, é uma escola de massas e para as massas, onde se criam meninos autómatos, havendo os que nunca se integram e passam a vida a perturbar os colegas e a infernizar a vida do professor. Não há alternativas para os alunos menos bons. Lembra-se da Escola Industrial e comercial? O nosso sistema de ensino tem falhas graves, gravíssimas, que a Sra. Ministra quer camuflar com enredos relatoriais, classificações pela positiva e facilidade na conclusão de cursos de formação profissional, pois a UE “puxa-lhe” as orelhas se os números não forem mais favoráveis. Esta realidade não pode ser negada. Como também não se pode negar que há quem não seja tão bom professor… mas todas as profissões têm profissionais com níveis de desempenho muito diferentes, certo? Não será, obviamente justo “meter todos no mesmo saco”, mas esta questão, bem delicada, deve ser tratada também com delicadeza e pontualmente, com quem é prevaricador ou responsável na sua profissão. Não vamos pôr todos a “dançar” a mesma dança pela enésima vez, quando só um par ainda não acerta o passo!! Torna-se demasiado ofensivo para todos nós trabalharmos numa escola pesada e vamos, para casa, a pensar como lidar com os alunos que a comunidade familiar nos entrega, durante tantas horas seguidas de aulas, demitindo-se da sua função paternal e paternal. Quantas vezes negligenciamos os nossos filhos… Pois! É que também somos pais e entregamos os nossos filhos a professores que também se sentem desgastados e exaustos para tão profunda e exigente missão. Surge-me agora a expressão “Missão Impossível”, é nisso que se está a tornar a nobre profissão de ensinar. Reconheço que para quem não é professor, nem tem ninguém por perto que o seja, haja a dificuldade no entendimento das nossas razões, preocupações, humilhações e, ultimamente protestos. Reconheço que a linguagem por nós usada é, demasiadas vezes, eclética para a maioria das pessoas, por isso, voltando ao início deste texto, lembro que está a fazer falta o esclarecimento público dos factos que ensombram a profissão docente. é que nem sequer protestamos regalias perdidas… protestamos arrelias e burocracias. Não somos uma “cambada” de 100 000 professoreszecos, como já nos chamaram. Podem crer que quem se manifestou foi quem tem sentido a dor de querer trabalhar o melhor que pode e sabe e já não conseguir fazê-lo com a sanidade mental necessária, porque a missão se tornou impossível. Porquê e como? São estes os desafios que lhe deixo para reflectir pois, sem reflexão, sem informação e sem a experiência, corremos muitos riscos e o principal é prejudicar gravemente os alunos, nas suas aprendizagens e no seu desenvolvimento global. Estes objectivos fundamentais do ensino, nunca ocorrerão sem a vontade dos professores nem sem a dos pais, que têm que ser responsabilizados pelas atitudes dos filhos (e não os professores) e conquistados pelos professores e educadores para

sentirem que os seus filhos “estão em boas mãos”. Para concluir, não estou a querer dizer, com tudo isto, que não devemos ser avaliados, pois sempre me lembro de ser avaliada e existe legislação que o comprova, apesar do Sr. Primeiro-ministro não saber disso. É uma pena não estar informado disso! Estes são os governantes que temos e provavelmente merecemo-los. Para concluir, em tom mais revoltado, gostaria de lembrar um verso de José Régio, Cântico Negro: «Não sei para onde vou, sei que não vou por aí».

* Título da responsabilidade da redacção

Helena Seabra, professora do 1º ciclo, Guarda

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