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Angola em Saragoça (VIII)

Foi na cosmopolita – e europeia – Bruxelas, ali mesmo a “dois passos” do Palácio Real e desse opulento templo que são os Reais Museus de Belas-Artes da Bélgica, que, pela primeira vez (e única), vi hasteada a bandeira de Angola. Compreendi perfeitamente o seu conteúdo, o seu alcance, o contexto em que surgiu, tudo, mas o meu amor por Angola – reitero que não sou filho de colonos e fui apenas um oficial miliciano a fazer uma comissão –, o meu amor por aquela abençoada terra (o leitor não se espante com a força desta vibração, porque é com a nossa emoção que alcançamos) postula, como um imperativo, que diga algo a esse respeito.

Com uma redundância penosamente suportável a bandeira afirma desde logo a sua filiação soviética (marxista, se quisermos) e o letal erro do ressentimento. Angola e os seus Presidente da República e Governo permitir-me-ão as palavras que seguem, que mais não são que ditadas por amor. (Desde já lhes agradeço a atenção com que vão ler este pudico e pundonoroso texto).

Seria excessivamente fácil de dizer que o marxismo foi uma hecatombe porque “a árvore se vê pelos frutos” – mas eu passo ao lado dessa facilidade. Que a doutrina cristã seja perfeita, digamos, isso não inibe os erros e as monstruosidades que, invocando-a, foram cometidos. Sem me alongar basta lembrar a Inquisição e a catastrófica visão, interpretação, sobre o dinheiro («É mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha…»).

Acontece é que o marxismo é uma heresia do Cristianismo. Mais. O considerar que um conjunto de condições exógenas é o motor do progresso social (o desenvolvimento da indústria e do comércio, v.g.), em vez de considerar que é a elevação aristocrática pessoal – ela, antes de mais nada – o motor do progresso, o marxismo opta por um critério de acção – para já não mencionar outros – cujos hediondos resultados não carecem de menção. Lembre-se, v.g. e apenas, O Zero e o Infinito de Arthur Koestler e, ainda por cima, os próprios suicídios de Koestler e de sua mulher. Quanto à elevação aristocrática pessoal lembre-se Obama.

Se muitas universidades não fossem esses inenarráveis centros de embuste que de facto são; se muitos que se consideram finos intelectuais se dessem conta do pérfido logro em que vivem; se esses centros – que passam por ser de saber – fossem menos permeáveis a modas; se fossem menos petulantes; se a percentagem de espíritos profundos, capazes de desmascarar e apontar caminhos mais genuínos, não fosse tão irrisória como é; se…

Como José Eduardo dos Santos se converteu ao Catolicismo, escrever este texto é uma obrigação ética e moral. A categoria de Angola não tem que ficar tão fragilizada com uma bandeira de estilo soviético; e o ressentimento que nela se expõe também já não existe. A este respeito, além da conversão, baste lembrar a legislação sobre propriedade, de há anos a esta parte publicada, o modo como capitais lusos e angolanos se entrosam, num e noutro país, e – sobretudo – casamentos que continuam a fazer-se entre pessoas do mais alto nível social dos nossos dois países.

… Não existe – e não pode existir – o ressentimento, porque este é uma mutilação. Senhor presidente José Eduardo dos Santos: apoie-se na Igreja a que se converteu e operará milagres. Mais. A kalashnikov representada na bandeira de Moçambique lá está a afirmar as sérias dificuldades que se deparam ao país irmão do Índico. E com os sentimento e sentido de fraternidade a que é obrigado, não faltarão nem clarividência nem energia para resolver os problemas, desde logo os da elevação cultural e do bem-estar pessoal e social. E 1000000 de pobres à volta de Luanda? – Isso resolver-se-á.

Que bandeira então escolher? Não é a mim que incumbe opinar, Excelência. Sei, isso sim, é que, dentre os presentes que, em Saragoça eram ofertados aos visitantes um dos bonés me pareceu muito melhor. O conjunto de azul, vermelho, branco e amarelo pareceu-me esteticamente muito conseguido. O azul é a tranquilidade e o contentamento; o vermelho a energia; o branco a paz; o amarelo a alegria e inteligência. Todavia, a população é negra quase em exclusivo – e para ela vai o primeiro respeito.

Um país tão jovem que afirma já a sua arte, quer implantar uma arquitectura sua e, neste momento, com a Exposição de Arte Contemporânea que, na capital, se realizará em Março, enfileirará Luanda entre as mais importantes cidades do mundo, um país assim saberá encontrar consultores que lhe indiquem o magnetismo de todas as cores, os quais aliados a estetas de primeira plana, criarão uma bandeira que seja uma apetência de afago e uma funda emoção, bandeira que emanará do topos e das gentes e seja uma concreção do perfeito prospectivo. Os modelos de bandeira sucedem-se aqui e além. É natural, é a evolução, a vida cada vez melhor. Afinal, uma bandeira não tem de ser perene.

Guarda, 31 – I – 09

Por: J. A. Alves Ambrósio

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