Arquivo

Angola em Saragoça (VII)

Ao situar-se num espaço próprio que era a zona dos países europeus (salvo erro o que lhe ficava contíguo era o da Suécia e Portugal e a Alemanha não se encontravam longe), em vez de incluída no espaço dos países africanos e Brasil, quer este espaço próprio tenha sido opção deliberada, arranjo diplomático ou mero acaso (hipótese esta que não parece nada fácil de aceitar), Angola afirmou situar-se num mundo de desenvolvimento e absoluta confiança no futuro. Mais. Enquanto, v.g., os pavilhões português e alemão se situavam ao nível do solo, Angola situava-se no primeiro andar. Perfeito!

Do mundo que, oficialmente, se exprime em português, Guiné-Bissau, S. Tomé e Príncipe e Timor não estavam presentes em Saragoça; e Cabo Verde e Moçambique tinham as suas explicações noutros idiomas, do Francês ao Inglês (o Brasil estava em Português, claro). Com a naturalidade de quem respira, Angola exprimia-se em Português; e eu não me cansarei de ver no optimismo sem mácula e naquela espontânea alegria e contagiante certeza no futuro, por parte de quem nos recebia – me recebeu – uma herança nossa, lusa. Dos abomináveis traços do colonialismo já falei – vivi no meio deles. Mas também não esqueço – melhor: é uma emoção que sempre preservarei – outros aspectos. Quais? É muito meu emocionar-me com a Arte, donde mencionar, tão-só, alguns exemplos: o altar-mor em mármore e embutidos polícromos da capela-mor do templo que pertenceu aos jesuítas de Luanda, do século XVII ou XVIII; as igrejas de N. S. da Nazaré e N. S. do Cabo em Luanda (na ilha, esta); a frontaria da igreja e do colégio que foram, também, dos jesuítas; o Hospital Maria Pia; alfaias religiosas; etc. etc.

Não menos emocionante que este património material-espiritual é, para mim, a língua.

Por pressão do Brasil avançou-se para a constituição da CPLP. Sucede é que a realidade linguística do Brasil está enformada por uma servidão que lhe ficou na identidade. Qual? A de centenas de milhares de portugueses analfabetos que o colonizaram. Depois, concluiu-se que, afinal, o idioma é um PIB; e que, hoje, o Português é 17% do PIB mundial. O espírito e a cultura deviam estar à frente da economia (por a economia não ser tratada como espírito é que estamos no momento em que estamos), mas, por um pérfido pragmatismo, antepôs-se a economia ao espírito.

Como Angola contém em si potencialidades para um protagonismo a nível mundial – e como, de resto, está no bom caminho no que toca à preocupação com a afirmação do Português intra-muros – deve avançar, logo ao nível do Liceu, com o ensino do Grego e do Latim e, depois, na Universidade, constituir um emérito corpo de classicistas. Estou absolutamente certo que, caso assim o decida, de Américo Ramalho a Rocha Pereira (ordem alfabética), v.g., este nossos queridos e insignes académicos sentir-se-ão muito honrados em colaborar. Estou a dizê-lo transbordante de convicção: um dos nomes maiores da sabedoria africana do transacto século foi precisamente Senghor.

É também emocionante para mim que este humanista, ao afirmar que «Ouço no mais íntimo de mim o canto sombrio das saudades. Será a voz antiga, a gota de sangue português que ascende do fundo dos tempos? O meu nome que remonta às suas fontes [Senghor de Senhor]?(…)», ao afirmar, dizia, a sua ancestralidade portuguesa possa ser uma imarcescível referência para as autoridades da minha querida Angola. Recorde-se que Senghor nasceu numa localidade chamada Joal-La-Portugaise e que integrou a Academia francesa. Seria perfeitamente estulto recordar que os laços entre Portugal e Angola são também – multi-secularmente – de sangue. Mais. O magistério do Latim e do Grego em Eton é uma das mais absolutas causas da afirmação britânica.

O governo angolano terá, outrossim, a clarividência e a ousadia de proclamar, citando Ondjaki, que «é preciso tirar as palavras do dicionário». Esta asserção do poeta vibrou tão profundamente em mim que, logo que possível, emocionado, procurarei Ondjaki para o abraçar. O altaneiro espírito não é entendido por muitos – mas nem há outro caminho, nem a Angola será difícil segui-lo. … A clarividência e a ousadia, visto que não ignorará que, ainda no tempo de Diogo Cão, o rei do Congo se convertera ao Cristianismo e que as relações com o Congo foram estreitas, absolutamente amistosas e privilegiadas.

Ora, pelo que agora nos toca, Angola deve, igualmente, ter presente que para a carta que, em 1526, Dom Afonso dirigiu a D. João III, pedindo-lhe «bons mestres de gramática» para elucidar os súbditos em questões de fé, o soberano congolês esteve três anos à espera de resposta. O D. João III que enviou humanistas para o estrangeiro, em cujo reinado se fundou o Colégio das Artes, em Coimbra, é, aqui, o anti-exemplo. Por um lado ocorre perguntar se, neste preciso momento, Portugal está com horizontes, visão suficiente para ajudar Angola – porque em S. Tomé em Príncipe não está mesmo –, por outro afirmar que a sociedade civil portuguesa, a começar pelos letrados, não pode ignorar esta questão. Pessoalmente ajudarei Angola, logo que me seja possível, com todas as minhas forças.

A pecha portuguesa de não dar à cultura o que lhe é estritamente devido tem que superar-se; e quando acima falei da acção dos classicistas urge dizer que a consciência da importância da filologia, da diacronia da filologia, da semântica, da ortoépia e da prosódia, isso é premente obrigação.

Assim Angola se imporá com um prestígio ímpar, fomentando o Saber, o Humanismo e, ipso facto, estabelecendo os alicerces de um imponente edifício. Imaginar, ambicionar, visualizar o futuro.

Guarda, 17-I-09

Por: J. A. Alves Ambrósio

Sobre o autor

Leave a Reply