Arquivo

Angola em Saragoça (III)

É inerente a um certame como Saragoça que a ele se associe a afirmação de um país. A própria polissemia de palavra “certame” é elucidativa a esse respeito: exposição, concurso, desafio, combate… Desde logo é uma montra, digamos. E o arranjo de uma montra requer atenção, ambição, imaginação, visualização, criatividade, segurança…, tudo a fim de que, no conspecto dos países presentes, quem decidiu acorrer ao certame se afirme.

Ao lado da arte – afirmação no presente e para o provir – Angola remetia para a sua ruralidade e, ipso facto, para as suas raízes. É absolutamente pertinente que assim seja. Aos meninos deve – desde o início – dizer-se que uma das mais emocionantes culturas que já se afirmou nos milénios da História foi de negros. Refiro-me ao Egipto, claro; e estudar o Egipto é, de uma penada, derrubar a monstruosidade do racismo.

Lutar contra o racismo é um combate que nos cinge a todos. “Contra a estupidez os próprios deuses lutaram em vão”, disse Schiller, mas eu não partilho desta radicalidade. E a razão é que a interioridade humana superará, em dado momento, sempre, as melhores perspicácia e alteridade. Lutar pois – absolutamente certos da vitória. Claro que Hegel falava dos “negros selvagens”. Mas o filósofo da dialéctica, que julgava África um continente sem História, a esse respeito sabia tanto como os mais ignorantes dos seus contemporâneos. (Já agora, e sem desprimor: alguns dos embusteiros maiores que se nos deparam ao longo de uma vida são filósofos, académicos, clérigos, políticos, jornalistas…).

A África é devido respeito. À medida que a arqueologia e a investigação histórica avançam – e apenas desde há muitas escassas décadas – sabe-se que, v.g., nas margens do rio Senegal, aos arqueólogos se deve o terem concluído por notáveis culturas pré-islâmicas. Qual eurocentrismo, qual treta??!! Neste preciso momento que nos baste esse surpreendente magnetismo de Obama, em quem, evidentemente, “voto”. O exemplo do rio Senegal pode estender-se à Mauritânia, Costa do Marfim, Gana, Camarões… e fico-me por aqui.

Já agora é absolutamente obrigatório declarar que o pioneiro da investigação arqueológica pré-histórica em Angola é o nosso querido egitaniense Dr. Adriano Vasco Rodrigues. Trabalhou, juntamente com sua finíssima Mulher, no então Instituto de Investigação Científica de Angola, entre 1965 e 1970, tendo, ambos, sido autores da primeira Carta Arqueológica de Angola e da criação da Secção de Pré-História do Museu de Angola (Luanda). Mais. Além da obra neste âmbito publicada, baseada, claro, em prospecções e escavações, acresce a localização de um navio do século XVII, no deserto da Namíbia (área do deserto de Moçâmedes). Saliente-se que, na altura, a mais reputada imprensa mundial mencionou tal achado.

Opulenta nos seus recursos hídricos, Angola declarava-o também. Lembrem-se apenas as pluviosas e bem drenadas encostas em que o café (variedade robusta) medra. Mas declare-se, igualmente, como Angola afirmava a qualidade de uma incontável, digamos, quantidade de hectares com aptidão agrícola, assim se abrindo ao mais qualificado investimento estrangeiro na área. Como quem diz: sou a mãe ubérrima e nada mais pretendo que os mais vigorosos fertilizadores. Ainda de outro modo: o solo agrícola valorizar-se-á crescentemente e, a tal respeito, ninguém atento poderá ficar indiferente. Para nós, portugueses, que desde o 25 de Abril, nesta república de muita treta, sofisma e retórica, nesta atribulada república, vemos uma crescente desvalorização do solo agrícola, cotejar atitudes dos dois governos é imperativo.

Assim, por estas e outras, é que Angola se tornou, para uma inumerável quantidade de dignos compatriotas nossos, um motivo de insuperável amor. Na sua admirável pujança artística, a Espanha avançou, há vários anos, com uma impressionante exposição subordinada ao título “As Idades do Homem”. Vi-a na Catedral de Segóvia, onde tive que esperar meia-hora. Como é próprio destas situações, conversa-se com quem está ao lado. E, então, foi um casal salamantino. O marido, engenheiro com horizontes, disse-me a dada altura: “Sou amigo de um patrício seu que veio de Angola por altura da independência. A ligação daquele senhor àquela terra é tão profunda que me leva a reflectir”.

A menção deste encontro serve para assegurar à Presidência da República e ao Governo de Angola que, em Portugal, há, ao seu dispôr, um capital de amor por parte de gente digna, altamente qualificada. Certo que o farão render. Voltarei a este tópico.

Guarda, 25-X-08

Por: J. A. Alves Ambrósio

Sobre o autor

Leave a Reply