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Angola em Saragoça (I)

Para quem, desde há anos, reutiliza a água, nunca – excepto se tiver visitas – tendo pago mais que 5,99 € (e a água na Guarda, para o nível de vida dos seus habitantes não é barata), a Expo-Saragoça, que tinha na importância da água o seu tema (é supérfluo acentuar a sua premência – e a sua premência para mim) era uma irrenunciável obrigação. Mais. Por motivos então inesperados nunca vira qualquer Expo anterior.

Não apenas inseparável da minha sociedade, stricto sensu, mas do Mundo – e a minha sociedade inclui, desde logo, o mundo lusófono – comecei pelo pavilhão de Angola. Foi um acaso, mas, como a minha boa estrela sempre se confirma, um acaso ditoso, muito ditoso, melhor.

Amo Angola tanto como a minha terra – e não se trata de qualquer sentimento saudosista, pois a minha permanência nesse tão tocante solo fez-se, tão-só, na minha condição de alferes miliciano. Ou seja: na condição de que não fui lá por nenhuma outra razão que não fosse o serviço que então se pedia a um português da minha idade. De resto, um dos resultados da estada foi ter vindo de lá profundamente combalido. Tão visceralmente inserida na minha vida, Angola continuou, acima de tudo, a ser um motivo de meditação. Melhor. Um Leitmotiv. Não me alongo.

Falar não é remeter para o real, mas para o edificante, o exaltante. Desde logo a nível relacional. Muita imprensa julga que faz um grande serviço descrevendo. Se tivesse altura para apreender os fundamentos – e os explicitar – prestaria um notável serviço à comunidade e afirmar-se-ia com intangível respeito. Como não é o caso, atrai para si própria – e para os leitores que nela confiam – o erro e, subsequentemente, justas e insuperáveis animadversões.

Qualquer que seja o grau de consciência e de intenções estamos perante um embuste, porque – disse-o Ortega – «a palavra é um sacramento de mui delicada administração». Ora, em Portugal, do plumitivo ao autor de blogue, Angola é apresentada como emanação do horrendo. Mas D. Francisco da Mata Mourisca decidiu ficar lá e Dona Maria Eugénia Neto, viúva de Agostinho Neto, transmontana com duas nacionalidades e passaporte diplomático angolano, diz «mas aqui em Portugal, durante estes anos todos, estão sempre a repisar no mesmo assunto (…). Angola está sempre na berlinda. E com um ódio de não estar lá ou de não usufruir das riquezas. É uma coisa impressionante».

Mais. Essa distinta senhora, cuja interior densidade está bem patente no seu rosto quando aguardava o corpo do marido morto, em Luanda, em 1979, não oculta que em Angola, hoje, «há muita coisa que precisa de ser feita», que há uma discrepância económica, afirmando, por outro lado, que o Presidente José Eduardo dos Santos «é um homem inteligente». (Citações a partir de Única, Expresso nº 1836, do transacto 5 de Janeiro).

E se D. Francisco da Mata Mourisca decidiu ficar, outros compatriotas decidiram ir, havendo já, neste momento, dezenas de milhares a trabalharem naquelas paragens.

Este texto e os que vierem será sobre o pavilhão de Angola em Saragoça e o que dele colhi. Todavia, é desde já necessário clarificar que, para mim, Savimbi nunca passou de alguém a quem – custasse o que custasse – o que lhe interessava era o Poder. Se não erro, o seu rosto tinha em Estaline, Hitler, ou quejandos, émulos, digamos, à altura.

Propositadamente guardei a feitura deste texto para depois das eleições angolanas.

Guarda, 25-IX-08

Por: J. A. Alves Ambrósio

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