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Amolador, uma arte em extinção

Vindo de Almada, José Martins andou pela Guarda onde ainda há quem mande afiar tesouras e facas

O som da flauta do amolador ouve-se ao longe. Vindo de Almada, José Martins, de 43 anos e nestas andanças há 31, esteve na Guarda por estes dias, tocando a “gaita” para anunciar a sua presença a quem dele precisasse. Desde os 12 anos que percorre o país de lés-a-lés, afiando tesouras, facas de cozinha ou consertando chapéus-de-chuva, porque o tempo em que reparava fundos de tachos e alguidares já lá vai. Amolar é uma arte que se pratica na família de José há pelo menos três gerações, desde o avô.

Desloca-se pela cidade, na sua velha bicicleta, carregada com todo o tipo de ferramentas essenciais às tarefas. «É uma profissão em extinção, mas vai havendo trabalho», adianta. E na Guarda, ainda há algum! Por exemplo, Sara Ribeiro, costureira na Estação, afia as suas tesouras em amoladores há mais de 14 anos, sempre que algum aparece por aquelas bandas. «Às vezes vou a uma casa, no centro de cidade, que também afia tesouras, mas não fica tão bem feito», garante, acrescentando que o último amolador a afiar as suas tesouras era de Castelo Branco. Desta vez, a costureira pagou 12 euros pelo trabalho – três tesouras afiadas em cerca de 30 minutos. Ainda regateou os 2 euros, para pagar apenas 10, mas José Martins retorquiu-lhe, muito espontaneamente, que «também podiam ser 15». Por causa desta arte, o amolador chega a passar um mês fora de casa para ganhar o seu sustento. «O dinheiro dá, é preciso é orientá-lo bem», afirma. De resto, enquanto está por fora, a sua carrinha serve-lhe de casa e diz gastar em média, entre gasóleo e refeições, 25 euros por dia. O artesão não se queixa desta vida e até confessa, com algum orgulho, que a televisão andou atrás dele, «mas agora só querem saber de jogadores da bola, comigo já não se governam».

Contudo, pai de três filhas, José Martins sabe que esta arte não vai ter continuidade na sua família: «Isto é uma profissão de homem e não há ninguém na família que possa segui-la», lamenta-se, enquanto prossegue com a bicicleta e o toque de flauta tão característico de tempos idos. Isso pensava Maria Emília, trabalhadora na área da restauração. «Ouvi o barulho, mas não reconheci. Já não via amoladores há mais de 20 anos!», exclama. O passar dos anos e a facilidade em trocar facas, tesouras e chapéus estragados por outros novos provocam neste homem um certo desalento, que confessa não conseguir «afiar as tesouras que se compram no “chinês” de tão más que são». No entanto, é com a tristeza estampada no rosto que perspectiva que «daqui a 20 anos já não deve haver amoladores. Os mais novos já não querem esta profissão, querem empregos e isto é um trabalho», embora ironize, dizendo que o amolador «trabalha parado». Só que é preciso ir atrás dele e na última quinta-feira, José Martins deixou a Guarda rumo a Almeida, «ou talvez Trancoso», onde esperava encontrar mais trabalho. A sabedoria popular garante que «quando há amolador, há chuva», mas a pele queimada pelo sol e o rosto cansado marcam a imagem deste homem que se afasta, arengando os seus serviços, entre um sopro e outro na sua flauta. «Tesourinhas, facas, chapéus-de-chuva, alicates».

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