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Americanices

Corta!

Anda tudo num alvoroço. De um momento para o outro as salas de cinema deixaram de receber a visita dos seus habituais espectadores. A indústria, apanhada de surpresa, por culpa de se deixar estar bem lá no alto das suas torres de marfim, onde a realidade demora a chegar, parece não encontrar resposta para tal. Coitados, mete dó. Pena! Ver tamanho sofrimento, daqueles que só desejam entreter o agora tão ingrato público.

As teorias para este efeito triângulo das Bermudas nas salas de cinema são várias: culpa da pirataria, dizem alguns; preço dos bilhetes, dirão outros; poucos, ou nenhuns, filmes que valham a pena ser vistos, digo eu. Para quem deseje ir ao cinema com alguma regularidade, é quase missão impossível encontrar um filme que mereça o trabalho de sequer pensar na hipótese de o ver, quanto mais de uma pessoa se vestir e sair de casa até à sala de cinema mais próxima. As estreias são em cada vez maior quantidade, mas de que adianta tal quando as salas ficam inundadas de produtos como Herbie, Uma Sogra de Fugir, e filmes de terror para adolescente geração videoclip ver, que não metem medo ao mais assustadiço dos seres? E no meio disto tudo, Ron Howard – O Competente lá faz mais um filme (Cinderella Man) igual a milhares e a Michael Bay – O Espalhafatoso é de novo dada a oportunidade de se divertir (em A Ilha) a destruir milhões de dólares por segundo.

Ao ver um filme como A Ilha, é fácil perceber as razões de fuga dos espectadores. Quem tem ainda paciência para tanta acção, mas onde nada realmente acontece? Com uma ideia bastante mais interessante que a maioria dos filmes de ficção actuais, começando por nos mostrar como vivem milhares de clones humanos, num local isolado do resto do mundo, futurista e onde cada gesto e não só é controlado até aos limites, rapidamente Bay desperdiça essa mais-valia, numa sucessão de perseguições onde tudo acaba destruído. Nessas alturas, quase dá para sair da sala de cinema por uns minutos, fazer umas compras ou comer qualquer coisa. Alguns minutos depois, aquando do regresso, estará tudo na mesma. Os heróis continuarão vivos e os inimigos que interessam também. Somente tudo em volta, por onde vão passando, vai ficando integralmente em cacos. Uma seca.

Para ajudar a tão grande descalabro, a dupla Ewan McGregor e Scarlett Johansonn anda por ali às aranhas. Do lado masculino não espanta tanta fragilidade, embora até seja a ele que lhe calham alguns dos mais interessantes momentos do filme, quando tem de contracenar consigo próprio, no encontro entre clone e aquele que lhe deu origem. Já Scarlett, é o seu primeiro grande passo em falso, depois de ter, no passado, e na sua ainda curta carreira, optado sempre por escolher filmes onde a dimensão artística interessava mais que a dimensão ao nível dos valores envolvidos. Depois de a ver em Ghost World – Mundo Fantasma, Lost In Translation, A Rapariga do Brinco de Pérola ou no Barbeiro, dos irmãos Coen, mete dó vê-la por aqui. Espera-se que isto seja a excepção.

Com filmes assim, a fuga vai certamente continuar. A mim, neste momento, entre as dezenas de filmes em cartaz, resta-me repetir o pouco que de bom foi surgindo: Colisão, Charlie e a Fábrica de Chocolate e De Tanto Bater o Meu Coração Parou. E esperar pelo regresso de Terry Gilliam (um dos destaques do Imago, no Fundão, já nos primeiros dias de Outubro), com Os Irmãos Grimm.

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