Arquivo

«Álvaro Cunhal é fundamental para perceber o século XX português»

Jornadas Históricas de Seia dedicaram dois dias ao tempo do antigo secretário-geral do PCP

«Álvaro Cunhal é, com Salazar, Mário Soares e Sá Carneiro, uma das personagens políticas fundamentais para perceber o século XX português». Pacheco Pereira, eurodeputado e autor da única biografia política do histórico secretário-geral do PCP, completou sexta-feira o perfil de Cunhal, que comemorou recentemente 90 anos, no âmbito da sexta edição das Jornadas Históricas, organizadas pela Câmara e Arquivo Municipal de Seia e dedicadas este ano a “O tempo de Álvaro Cunhal – sociedade, política e cultura”. Durante dois dias, vários investigadores e políticos fizeram uma abordagem multidisciplinar do país nas primeiras décadas da ditadura e dos contributos de uma geração nos mais diversos sectores da sociedade.

José Pacheco Pereira foi o último dos intervenientes apresentando a experiência prisional de Álvaro Cunhal, tema do terceiro volume da biografia do antigo líder do PCP. Mas também o impacto que esse período teve na pessoa e no político, com o investigador a concluir que o então dirigente comunista esteve preso «três vezes mais que o tempo a que tinha sido condenado». Entre Maio de 1950 e Janeiro de 61, quando se dá a fuga de Peniche, a prisão de Cunhal «só pode ser comparada à de Gramsci ou de Mandela, quer no estatuto como na duração», considerou Pacheco Pereira, admitindo que o «peso destes anos perdidos não pode ter sido leve» na sua personalidade. Já em declarações a “O Interior”, o professor universitário sublinhou que, independentemente dos julgamentos sobre se as ideias de Cunhal foram ou não avante, o biografado tem uma importância «indubitável» em determinados momentos da nossa história contemporânea, caso da descolonização, guerra colonial ou do 25 de Abril. «É importante para Portugal que se conheça o que foi a acção do PCP em clandestinidade e a acção de Cunhal, até porque existem muitos mitos sobre essa acção, muitos dos quais alimentados pelo próprio PCP», refere, acrescentando que o líder histórico dos comunistas portugueses «não tem sido maltratado, antes pelo contrário, até existe muito a moda de Álvaro Cunhal».

Cunhal continua «politicamente activo»

Para Pacheco Pereira, as pessoas têm uma «atitude ambivalente» quando falam do ex-secretário-geral do PCP: «Por um lado tratam-no como se já estivesse morto e, por outro, há uma espécie de direita que acha graça a Cunhal e que está sempre a valorizá-lo», diz. De resto, constata que Cunhal «não só é vivo como está politicamente activo», numa alusão ao recente artigo publicado há quinze dias no “Avante”, cujo significado político incomodou «em particular os renovadores, que se esqueceram de algumas coisas básicas, a primeira das quais é que Cunhal é comunista. Ele escreveu na semana passada o que escreveu toda a vida, é um texto normal», conclui, referindo que o Partido Comunista Português «é dos que melhor resiste» após a queda da União Soviética. Na véspera, Odete Santos defendeu que o líder histórico comunista tem sido «muito maltratado», nomeadamente em órgãos de comunicação social. «Acho que tem sido muito maltratado, embora os que o maltratam o façam com respeito, mas são sempre maus tratos», disse a deputada do PCP, que lamentou que haja de Álvaro Cunhal «uma imagem fechada, de que é um indivíduo dogmático, que no partido só se fazia o que ele queria». Rótulos que recusou, argumentando que se «discutia muito» no partido no tempo em que era secretário-geral. «A vida de Álvaro Cunhal é uma vida de lutador e uma referência contra o fascismo, é dos maiores líderes do movimento comunista internacional, mas também um artista plástico, é quase um ser completo, apesar de não haver seres completos», destacou ainda Odete Santos.

Fernando Rosas, historiador e dirigente do Bloco de Esquerda, evocou, por sua vez, Álvaro Cunhal como figura polémica. «É um homem polémico na vida política portuguesa, tal como todas as pessoas marcantes, que protagonizou ideias e movimentos que estiveram muito longe de ser consensuais», disse. Em contrapartida, Reis Torgal, professor da Universidade de Coimbra e coordenador das jornadas, destacou a coerência do antigo dirigente comunista. «É uma pessoa que todos têm de apreciar, de alguma forma, por uma certa coerência, sejam pessoas de direita ou de esquerda, do PCP ou não», sustentou, dizendo que Cunhal deve ser admirado no âmbito do conjunto de pessoas que «deram a sua vida por uma causa, não procurando ganhar proventos particulares». As Jornadas Históricas são complementadas até ao final do mês com uma exposição de desenhos de Álvaro Cunhal, de uma mostra de livros de sua autoria, de pinturas de seu pai, Avelino Cunhal, antigo Governador Civil da Guarda e Administrador do concelho de Seia e de uma retrospectiva documental e histórico-política de Cunhal.

Luis Martins

Sobre o autor

Leave a Reply