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Alternativas falhadas (em Trancoso)

O eleitor médio não filiado ao clubístico dever de defender os seus interesses e os dos seus quer ter ao seu dispor o democrático direito à alternativa. Mas tal nem sempre é possível. E Trancoso é o exemplo perfeito de um concelho onde a alternativa política só o é formalmente.

A viragem de há quatro anos, que motivou uníssonas vozes evocativas de uma Grândola longínqua, prometia para Trancoso o vigor democrático do fazer diferente que seria trazido por sacralizados guardiães do povo real. E assim, uma terra que já não sabia a idade, mas que de há muito sabia de cor os nomes do poder, passou a identificar em rostos familiares não a igualdade mas uma herança de acesso ao poder. Agora como antes de 2013, a salvaguarda dos interesses da polis (cidade) não resistiu à cobiça privilegiada do déspota da casa (oikos). A mudança não gerou alternativa, antes uma espécie de democracia dos afetos pelos mais chegados.

O atual edil Amílcar Salvador (PS) e o vereador João Rodrigues (PSD) disputam uma corrida eleitoral com vencedor conhecido. Só não é uma vitória por falta de comparência porque comparece demasiado a inexistência da candidatura laranja.

Com o líder social-democrata e ex-primeiro-ministro de visita a Trancoso, João Rodrigues juntou não mais de meia centena de pessoas. Sentir vergonha alheia é o mais caridoso sentimento provocado pela incompetência desorientada de uma equipa composta por figuras tão irrelevantes quão incapazes. Escusado será dizer que a partir de 2 de outubro haverá cabeças a rolar. E olhando para o entusiasmo folclórico empreendido por Júlio Sarmento no apoio conferido ao seu antigo vereador, vê-se já uma clara vontade de regresso à liderança concelhia.

À exceção de alguns elementos mais bem preparados, o panorama da candidatura socialista não é substancialmente distinto. Amílcar Salvador poderia ter buscado qualidade fora da oikos, mas preferiu apostar em “pesos pesados” que só o são em incapacidade demonstrada. Na vez de novidades, PSD e PS rodearam-se de novas caras com a velha vontade de singrar na vida não pela política, mas através dela.

Há ainda dois outros fatores a aproximar as duas principais candidaturas. Desde logo a forma desprestigiante como ambas lidam com a paritária necessidade de candidatar mulheres. De ambos os lados, e independentemente das capacidades das candidatas em causa, as número três escolhidas não o foram por qualquer ação cívica ou partidária, mas por serem consideradas licenciadas caras bonitas. O que parece confirmar o machismo atávico prevalecente ao nível de uma política local ainda pouco dada à igualdade de género.

Outra consonância resulta do provincianismo. Para o PSD, a presença de Passos Coelho em Trancoso mostrou a proximidade e a capacidade de influência dos dirigentes locais junto do assim dito “poder central”. Caro leitor, sustenha o riso. É que Salvador vê na visita a Trancoso feita, em 2017, por cinco governantes (socialistas) a demonstração do «espírito de trabalho entre os municípios e este Governo». Agora sim, pode gargalhar.

Em retrospetiva e dando de barato que Amílcar Salvador é rigoroso quando diz ter seguido uma política de «proximidade» – por sinal excessiva –, a dita «promoção da indústria» não existiu nem podia existir. É preciso largar a banha da cobra: Trancoso é um concelho sem passado industrial e não competirá com concelhos do Centro do país com bem mais enraizados pergaminhos nesse sector. Seguindo a rota dos contos do vigário, é crucial perceber que Trancoso não tem potencial para ser nenhuma meca do turismo, apenas para melhor captar os turistas em trânsito entre o Douro e a Serra.

Aos vencedores antecipados concentrem-se, portanto, em não descurar e em melhorar o que já existe. Já agora, caro futuro presidente reeleito, se diz «acreditar cada vez mais nos nossos jovens», então faça dessa a prioridade para os próximos quatro anos porque é esse, e só esse, o grande desafio: travar a desertificação. O que não será conseguido com menos de 50 alunos e apenas duas turmas inscritas no 10º ano da escola secundária para o ano letivo 2017-18.

Por: David Santiago

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