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Almeida, ou quando a memória é de granito

Uma coisa tenho por garantida: ninguém fica indiferente a Almeida. Eu, que calcorreio as suas ruas há algumas boas décadas, ponho-me por vezes a pensar em qual será a sensação de alguém que entre pela primeira vez as portas das suas belíssimas muralhas e dê de caras, de forma inesperada, com o casario, as ruas, os monumentos ou os seus poucos, mas resistentes e acolhedores habitantes. E tenho pena de, à força da rotina, não poder já sentir o fascínio que, decerto, o turista surpreendido não deixará de registar.

A localização de Almeida moldou o seu destino, a sua forma e o caráter das suas gentes. O destino, porque, vila fronteiriça em tempos de instabilidades raianas e disputas territoriais, se erigiu como primeiro obstáculo à impetuosidade guerreira de estranhos. Tal posicionamento fez crescer à sua volta uma muralha em forma de estrela em cujas doze pontas se depositou a esperança de inexpugnabilidade. A sua gente, que sofreu ataques, assédios, bombardeamentos e destruição, é o que tinha que ser, dura, resistente, mas também sabedora dos benefícios da paz, o que a leva a receber com genuína simpatia quem quer que venha por bem.

Almeida não tem monumentos: Almeida é um monumento. O granito que deu forma às muralhas, aos quartéis, às igrejas, às casamatas, foi arrancado às encostas que descem até ao Côa, o rio que serpenteia os termos da Vila, logo ali a três quilómetros. Esse granito omnipresente consubstancia, torna concreta e palpável a memória do seu povo. Com essas pedras ele se defendeu, construiu as muralhas, albergou santos em igrejas e conventos, deu guarida aos militares que o serviram, construiu as suas humildes casas ou paços senhoriais ou vivendas burguesas, pavimentou as ruas. Foi também de pedra a chuva que se abateu sobre os habitantes quando, num trágico dia de agosto de 1810, uma explosão fez ir pelos ares os grossos muros de pedra do seu castelo medieval e da Igreja matriz, episódio para sempre marcado na memória coletiva dos almeidenses como se fosse gravado em…. granito.

Nessas pedras deixaram os mestres canteiros as suas identitárias marcas e os pedreiros as suas fortes e certeiras cinzeladas.

Hoje não se ouve o pedreiro a percutir a pedra, nem o bulício dos militares, em serviço ou de licença, e são poucas as crianças que alegram e dão vida às ruas cada vez mais desertas. Mas os que por cá andam, como eu, têm a firme convicção de que o futuro de Almeida só pode ser risonho.

Aquilo que tem para oferecer, e sejamos justos, cada vez mais procurado, é único. O património edificado, como ficou dito, é ímpar. A arquitetura militar tem aqui uma das suas pérolas mais brilhantes e marcantes, com a sua fortaleza abaluartada, muito bem preservada, não ficando nada a perder, antes pelo contrário, em comparação com outras que existem por essa Europa fora.

Seria preciso mais para aguçar o apetite de potenciais visitantes? Não era, mas aqui vai:

– Uma gastronomia que abre o apetite a qualquer frugal comedor, pontificando os saborosos enchidos, os pratos de caça, o cabrito, o mel, o queijo, etc.;

– Umas paisagens deslumbrantes, onde o pôr-do-sol pode ser o ponto alto do deslumbramento de quem assiste;

– Uma gente acolhedora, simpática e que gosta de receber.

Fico-me por aqui, com o desafio aos leitores para que venham descobrir outras particularidades desta estrela de granito que não cabem neste, nem em qualquer outro texto que se debruce sobre esta magnífica Vila.

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Aristides Rodrigues

O INTERIOR / Sapo24

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