Arquivo

Ainda duas notas de 2009

Ao cair o pano em 2009 mais uma má notícia vem ao conhecimento público. Trata-se do despedimento de alguns – cerca de 20 – colaboradores da empresa Dura na zona do Mondego.

Quando compilamos os dados de 2009 e só no nosso concelho somamos várias centenas de cidadãos. Na zona de Maçaínhas, Trinta, Vale do Mondego e na própria cidade são mais de quinhentas pessoas que, e apenas num semestre vêm as suas vidas e as das suas famílias verdadeiramente alteradas. Pior ainda é não observarem uma ou várias alternativas na sua área geográfica de residência.

Acenam-lhes – e desejamos que assim seja – com a criação para breve de várias centenas de oportunidades profissionais.

Podemos verificar, já anos idos, em que uma empresa de têxteis fechou – cerca de 200 pessoas despedidas – e logo outra ao lado “absorveu” praticamente na íntegra os cidadãos entretanto desempregados.

Sabemos que os tempos não estão de feição a que este fenómeno se repita…

Mas se aqueles números são os conhecidos publicamente pelo efeito mediático que as empresas envolvidas justificam, outras micro e pequenas empresas também conheceram o seu fim de ciclo sem que outras em número suficiente pudessem dar uma efectiva resposta à mão-de-obra mais ou menos especializada que entretanto ficou desamparada.

É evidente que a quase totalidade destes cidadãos apanhados na teia do desemprego, nos próximos 2, 3, 4 ou poucos mais anos terão direito aos diversos apoios sociais existentes desde há décadas em Portugal. Num dos casos mais falados há ainda o direito ao recebimento de uma indemnização. Tudo somado e com grandes esforços seguramente dará para se aguentar o agregado familiar.

Naturalmente que o sistema de acção social escolar deve ser reforçado, o sistema de segurança social atentará também neste particular e verificará outras formas de apoio, o poder local – freguesia e município – poderá/ deverá ter também o seu papel a desempenhar, a formação profissional é outra resposta habitual nestas circunstancias.

Mas será que tudo isto que existe e vai funcionando é suficiente para aliviar, diminuir a desesperança e a descrença destes cidadãos na terra em que apostaram viver.

Será que essa terra não tem a obrigação de olhar o cenário e cuidar de uma outra resposta, ou, pelo menos, com uma outra atenção procurando caminhos diferentes e mais ousados do que os clichés que os sucessivos governos vão disponibilizando.

Não é de crer que se saiba o verdadeiro saldo entre a actividade empresarial que fecha e a que se iniciou e que dali se retiram algumas conclusões.

Não poderá ser vantajoso proceder-se à elaboração de um estudo que caracterize os cidadãos entretanto colocados numa situação de desemprego tentando compreender as motivações profissionais, a eventual propensão para a actividade empresarial, isto claro, para além das múltiplas ofertas formativas que vão sucedendo e alargadas nos próximos anos.

Não poderá este conjunto de acontecimentos trazer ao de cima as conclusões de múltiplos estudos sobre os constrangimentos e estratégias de desenvolvimento para as nossas terras que várias organizações têm vindo a promover?

O que se tem passado não é suficiente para obrigarmo-nos a equacionar o modelo de relacionamentos institucionais que vigora decalcado apenas dos textos legais e não das efectivas necessidades mais “criativas”.

Também o convite a que o estado das coisas nos traz no que concerne à formulação organizativa e à resposta que o município poderia dar mas não deu.

Em suma, para situações limite, pois que é disso que se trata, também as respostas deverão vir a ter algum cariz radical. Aguardemos que 2010 com poder reforçado possa vislumbrar essa radicalidade na intervenção dos que foram eleitos e dos que são nomeados…

Como se depreende elejo o desemprego como o acontecimento do ano em 2009. E elege-o como a primeira das primeiras prioridades que os poderes instituídos devem ter em linha de conta na sua actuação em 2010.

Já não nos bastava percebermos a diminuição da população como agora acrescentarmos ainda a desesperança e a descrença que o volume de desemprego traz a milhares de cidadãos e o nulo estimulo que essa situação induz nos que eventualmente propendem a investir nestas paragens.

Aguardemos as respostas que até agora não se escutaram. Aliás continuam-se a ouvir apoios para outras zonas do país e para estas paragens apenas as já tradicionais medidas de apoio que têm décadas, permitam-me a redundância…

Quiçá teremos algum projecto de interesse nacional, alguma fabrica como teve Aveiro e outras terras lusas do litoral?

Outro acontecimento que retenho de 2009, e para lá do ciclo eleitoral, – com os resultados por mais de uma vez esmiuçados – é a complexidade simplista da natureza humana no envolvimento nas questões político-partidárias. Fazendo hoje uma retrospectiva, sempre acrescento que me surpreendeu a hiper-valorização do tacticismo em detrimento do que se acredita e mesmo do que se criticou.

Estabelecendo um paralelo com outras actividades onde o valor comercial, a ideia do projecto, se sobrevalorizam naturalmente para as decisões finais dos cidadãos como é o caso das transferências entre clubes de futebol, entre órgãos de comunicação social e naturalmente entre empresas, a surpresa decorre do facto de termos verificado que essas transferências também aconteceram no “mercado partidário” seja na assunção de candidaturas e/ou utilização de outros cândidos meios de auto-promoção.

Dir-me-ão que sempre foi assim, e é verdade, mas este ciclo eleitoral e particularmente o autárquico revelou um exacerbar desta boa/má tendência que temo não vir a enriquecer e a valorizar a qualificação da participação dos cidadãos.

Diria até pela manifestação de alguns cidadãos com maior ou menor expressão local e/ou nacional que o seu “strip” não é um tónico mas é antes um tóxico porquanto revela a ideia de poder a todo o custo nem que para tal se romantize com o melhor aliado que na ocasião ali se encontre.

Despersonalizar-se implica desacreditar-se e esse processo quando iniciado é irreversível pois a manifestação de uma suposta liberdade conquistada revela acima de tudo a prisão de uma consciência fatigada e atingida por uma virtual superior auto-valorização.

A realidade partidária pode não ser o melhor exemplo da organização social mais atractiva mas alguns episódios que escutámos nos órgãos de comunicação social – da suposta sociedade civil descomprometida – revelam uma sintomatologia que a não ser acudida reverte no partido dos que se abstêm de ir a jogo ou aqueles que apenas vão ao jogo porque têm o resultado combinado deturpando de todo o sentido de ir a votos de ser sufragado seja em situação minoritária ou maioritária.

No fundo aqueles comportamentos quase nos forçam a questionar se isto dos partidos, das escolhas, das opções não são apenas um mero capricho de uns “tontos” e que porventura à vez ou por simples nomeação estava a questão melhor resolvida. Ora vou eu… Ora vais tu…

Mas os Partidos, como outras organizações, são emanações da sociedade e a elas só pertence / só milita quem quer. Ninguém é obrigado a ali permanecer nem muito menos deve significar um passo atrás na liberdade individual. Antes a assunção de um contrato em que, no acto de filiar se contraem direitos mas também deveres.

Não é muito canónico os gestores ou accionistas da empresa, da organização social A, papaguearem o bem da organização B e o mal da sua própria organização. Mesmo reconhecendo valor a outrem exige-se mesmo descontando a especificidade de cada tipo de organização, uma outra respeita à envolvência ético-moral naqueles que, publicamente apresentando-se em múltiplas funções compreendem-se também como cidadãos escutados e considerados pela sua comunidade.

O que se verificou em muitos concelhos do País foi por ora um resvalar num talude mas no fundo trata-se de um precipício cívico do qual não poderemos augurar nada de satisfatório para a vivência comunitária, pois aquele caminho dá-nos apenas a dimensão de um conjunto inorgânico semi-inacabado do grande corpo que habita a cidade e não o sentido de pertença que o termo comunidade antecipa e engloba.

Por: João Prata

Sobre o autor

Leave a Reply