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Águas agitadas revoltam Benespera

Tensão entre Junta e associação local já está em tribunal

As últimas semanas têm sido de tensão na Benespera, no concelho da Guarda. A Associação Cultural e Recreativa da freguesia, concessionária da zona de caça associativa local, quer água gratuita para o viveiro onde tem milhares de perdizes e centenas de coelhos, mas a população e a Junta contestaram esta borla. A associação afirma agir de acordo com uma decisão camarária e já moveu duas acções judiciais contra a Junta. Mas outro desentendimento, sobre o campo de futebol da aldeia, poderá levar a autarquia local a responder na mesma moeda.

Na tarde de sexta-feira, funcionários da Câmara da Guarda tentaram furar a manilha do reservatório da água que desce da serra, instalado em propriedade privada, para daí levar a água para o edifício onde a associação tem as perdizes para caça. Mas foram impedidos pela população e pela Junta. A autarca local Maria Floripes não concorda com a atribuição gratuita da água à colectividade, dando o exemplo do edifício da antiga escola: «Então a Junta dava a água para a caça, mas tinha de a pagar nas nossas instalações», insurgiu-se. No entanto, para José Gonçalves, presidente da Associação Cultural e Recreativa, o impedimento da instalação da tubagem constitui «um acto de prepotência da parte da Junta e de desrespeito para com a Câmara, legal detentora da conduta, que está desactivada». Opinião diferente tem Maria Floripes: «Legalmente, a água é de privados que só a dão para o povo. Para além disso, o charco é importante para o combate aos incêndios e não pode estar vazio», alegou.

A deliberação da autarquia prevê a colocação de dois contadores, um para cada instituição, mas com fins meramente comparativos. Há mais de 30 anos que vários particulares cederam nascentes e terrenos para que o povo da Benespera ficasse servido de água potável, como consta de uma acta da Junta de Freguesia datada de 4 de Julho de 1976, a que O INTERIOR teve acesso. Para além dos privilégios reclamados pelos proprietários dos nascentes, o dono do terreno onde foram instalados os depósitos exigiu para si as sobras da água que servia a povoação e que desaguavam no charco disponível em caso de incêndio. No entanto, José Gonçalves denuncia que «há um claro aproveitamento das águas da conduta por um particular, que é o secretário da Junta», considerando que a água será suficiente depois de dividida. À espera do líquido cada vez mais precioso estão cerca de cinco mil perdizes e 200 coelhos.

Até agora a Associação tem-se abastecido a partir da ribeira, mas «neste momento há um caso de perigo para a saúde pública. Já não se está a fazer a limpeza nem a desinfecção das instalações, por falta de água», revela o dirigente. No Centro Pedagógico e Interpretativo de Recursos Naturais, a associação «presta um acto social às escolas que nos visitam regularmente», sustenta José Gonçalves. No local são criadas espécies de caça e é divulgada essa temática, mas esse trabalho parece estar ameaçado, uma vez que «este é um ano difícil em termos de água», lamenta.

Um processo no Ministério Público e outros à porta

Os desentendimentos entre a Associação Cultural e Recreativa da Benespera e a Junta de Freguesia não têm apenas uma semana. A disputa pela propriedade do campo de futebol da aldeia deverá levar a autarquia a seguir a via dos tribunais. Há várias décadas que o terreno foi cedido por um particular à Junta. Contudo, um documento de 1979, assinado pelo presidente da Junta de então e por um vogal – que, segundo Maria Floripes, «ainda nem tinha tomado posse» –, entregava-o para a tutela da Associação. A autarca reclama, por isso, a ilegalidade do documento. Outro entendimento é o de José Gonçalves. A associação sustenta a validade do documento e atesta tratar-se de um caso de usucapião: «Desde 1979 que a associação fez terraplanagens, nivelamentos, colocou balizas, balneários, conservou o espaço e organizou eventos, e durante 28 anos ninguém se manifestou contra isso», alega.

Deste diferendo resultou já uma queixa-crime no Ministério Público conta a Junta, acusada pela associação de «perseguição» e por «proferir inverdades que incitam as pessoas». Para José Gonçalves, está sobretudo em causa a «perda de boa-fé da Junta, ao praticar actos tendentes a pôr em causa direitos legalmente adquiridos». Depois das férias judiciais também deverá dar entrada uma acção cível, em que a mesma colectividade evocará todos os factos passados e o investimento realizado no terreno.

Igor de Sousa Costa

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