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Agarrem-me, se não eu bato-lhe

Nenhum partido quer eleições para já. Mas todos se comportam como se as quisessem já amanhã. O Governo não se adapta à nova realidade parlamentar e a oposição vinga-se dos anos que penou. Um jogo triste e inconsequente.

O que mais assusta na actual deriva que se vive no Parlamento português é a absoluta falta de estratégia de todos os envolvidos. Toda a gente se comporta como se quisesse ter eleições amanhã, quando, na verdade, ninguém as quer. Nem amanhã nem nos próximos tempos.

É por isto que os partidos, todos, deviam ter a obrigação de nos explicar o que querem e que consequências esperam do que querem. Porque se levarem o jogo que estão a jogar até ao fim, chegará o dia em que o Parlamento cai. E enquanto esse dia não chega nada se faz em Portugal. Seremos governados por medidas avulsas, do Governo e da oposição, com uma única certeza: no fim, seremos nós a pagar a conta, com impostos directos e indirectos mais altos, piores serviços sociais e de saúde, pensões cada vez mais baixas e um buraco pela frente.

É verdade que não há maioria absoluta. Mas isso não pode permitir ao Governo e ao PS que desapareçam do mapa legislativo, como uma criança que faz birra quando nasce um irmão e deixa de ser o centro das atenções.

Se o Governo e o PS querem governar (e têm o direito e o dever de o fazer) têm que explicar o que lhes vai na cabeça, apresentar propostas e justificá-las. O PS está à espera de quê? Que os portugueses tenham pena do Governo? Mas como é que se pode ter pena de algo que as únicas duas coisas que se propõe fazer é um orçamento e legislar sobre o casamento homossexual? O orçamento é uma obrigação, um projecto de lei sobre o casamento homossexual é coisa que se faz em meia hora. No resto do tempo o Governo faz o quê?

Na oposição as coisas não estão melhores. O PSD prossegue uma rota calvinista, enquanto se imola numa fogueira colectiva. Anima-se com as desgraças do Governo e, assim, vai esquecendo as suas. Pelo caminho faz tangentes ao precipício, mas volta atrás no último minuto, porque Sócrates tem que ser cozido em lume brando e o prato ainda não está no ponto.

O PCP e o Bloco são mais coerentes. A estabilidade do Governo não lhes interessa grande coisa, têm agendas incompatíveis com Sócrates e sabem que o PS fará a maior parte dos acordos com o PSD e o CDS-PP.

Chegados aqui resta Paulo Portas, a única esperança do PS para um acordo parlamentar. Mas Sócrates não tem força para negociar isso. Além disso, Portas já comprou bilhetes para a primeira fila da queda do PS e para a fogueira do PSD, à espera que o líder que dali saia seja mais fraco e menos esperto do que ele, o que não é difícil. Até lá, o jogo triste e inconsequente continua: agarrem-me, se não eu bato-lhe.

Por: Ricardo Costa

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