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«Acordem para ganhar 300 milhões de euros»

I Festival Internacional da Memória Sefardita terminou no último domingo, após um congresso, visitas guiadas e a apresentação de projectos

«Acordem! Acordem para ganhar 300 milhões de euros», com o turismo religioso. Foi assim que o consultor internacional Jack Soifer arrebatou a atenção da plateia no último dia do I Congresso Internacional da Memória Sefardita Portuguesa, que se realizou na semana passada, no Teatro Municipal da Guarda (TMG).

O silêncio entre a assistência foi quebrado logo nos primeiros minutos da intervenção deste consultor turístico. Jack Soifer tomou conta do palco: elevou a voz, vociferou ao microfone e questionou o painel de oradores, conquistando a atenção de todos. A sua intenção era desassossegar a plateia e fazê-la pensar. O orador acredita que a região pode ganhar 300 milhões de euros, a curto prazo, se souber aproveitar a sua herança judaica, algo que ainda não está a fazer. «Infelizmente, muitos ainda pensam que o turismo do futuro é continuar o do passado. Esqueçam!», defendeu. Segundo este especialista, é preciso pensar numa nova forma de fazer turismo. O turista quer «experiência, emoção, interactividade», explicou. «Emoções não temos quando vemos um prédio parado, por mais bonito que ele seja», continuou. O orador aconselhou então os dirigentes locais a investirem em «memoriais dinâmicos» que levem o turista a ter uma experiência que jamais esquecerá e, nesse contexto, lembrou o caso de Israel: «Naquele país há um túnel onde vemos uma luz que reflecte 30 mil pontos, como se fossem 30 mil vidas. Isto é algo que vocês nunca esqueceriam», exemplificou.

Para este consultor internacional, a crise económica é «uma oportunidade» para fazer a diferença no sector do turismo, uma vez que a região tem uma riqueza cultural que ainda não está a ser aproveitada. Opinião semelhante tem o investigador Jorge Martins, do Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE), que também participou no painel sobre “O impacto da herança judaica no turismo”. Através dos seus estudos, fundamentados nos documentos existentes na Torre do Tombo e na análise do trabalho dos municípios, Jorge Martins concluiu que ainda há autarquias que não exploram nem assumem esse passado judaico. «Há cinco Câmaras que assumem a sua história judaica, outras ainda não começaram a fazer esse trabalho», afirmou, adiantando que Belmonte, Penamacor, Trancoso, Gouveia e a Guarda já “acordaram” para a valorização do turismo religioso. «Fico muito satisfeito por saber que o Sabugal está agora a fazê-lo também», continuou. Jorge Martins disse ainda que está a acontecer «um segundo ressurgimento judaico do século XX» e que este Festival da Memória Sefardita representa «um segundo resgate de uma memória nacional que interessa todos».

Já o presidente do Turismo Serra da Estrela afirmou que esse resgate pode mesmo «ajudar o país a sair da crise». No entanto, Jorge Patrão aproveitou para criticar a proibição imposta às entidades regionais de turismo de promoverem os seus equipamentos e eventos no estrangeiro. «É uma solução errada», lamentou. Jorge Patrão acredita que o turista é hoje em dia «mais exigente» e, por isso, é necessário investir e «repensar a promoção externa portuguesa». O congresso realizou-se no âmbito do I Festival Internacional da Memória Sefardita Portuguesa, uma iniciativa que teve lugar na Guarda, em Trancoso e Belmonte com o objectivo de relembrar o passado dos judeus sefarditas, que abandonaram a Península Ibérica com a Inquisição.

Centro de Interpretação Judaica Isaac Cardoso

O último dia de congresso terminou em Trancoso, com a apresentação do projecto arquitectónico do Centro de Interpretação Isaac Cardoso, um edifício que pretende evocar a memória judaica da região.

No lugar onde se pensa que terá existido a judiaria da antiga vila, os autores do projecto, José Laranjeira e Gonçalo Byrne, pretendem levar os visitantes num regresso ao passado. «O centro vai desenvolver-se naquele espaço triangular e dentro dele nasce uma espécie de jóia incrustada que é apenas um vazio, um lugar sem nada», explicou José Laranjeira, em declarações a O INTERIOR. A ideia é alimentar a reflexão, através de uma «elevação ao céu». Por isso, os arquitectos pretendem aproveitar a luz natural, colocando clarabóias no tecto, para evocar a «passagem do tempo» ao longo do dia.

O centro será composto por uma área para exposições, outra dedicada ao passado e à herança judaica da agora cidade e ainda um espaço de oração para os visitantes judeus. Isaac Cardoso, nascido em Trancoso, mas radicado em Itália devido às perseguições da Inquisição, dá nome ao novo espaço, que, de acordo com o presidente da autarquia, deverá estar pronto daqui a um ano. Júlio Sarmento afirmou que o terreno será adquirido este mês e as obras de construção terão início de imediato. «O edifício é uma peça fundamental para completar todo o conjunto de vestígios da judiaria de Trancoso», sustentou o autarca.

Casa da Memória, Identidade e Património

Na Guarda, o município desvendou o projecto museológico da Casa da Memória, Identidade e Património, que será criada no antigo edifício dos Paços do Concelho, na Praça Velha.

A ideia é que o visitante, num passeio pelo espaço, possa acompanhar a história do concelho, a evolução urbana da cidade e conhecer as suas gentes e a sua religião. A casa terá 10 salas, onde se contam as histórias da região: as lendas da cidade, a sua fundação, a sociedade medieval, o mundo cristão, o mundo judaico, a Inquisição, as Invasões Francesas, a República, entre outros temas. «Reflectir sobre as memórias da Guarda e explorar os espaços de consciência» é um dos objectivos subjacentes à criação deste novo equipamento, refere a autarquia. Promover os direitos humanos e levar os jovens a reflectirem sobre conceitos como a xenofobia, a liberdade, o racismo, a identidade e a paz é outro objectivo que se pretende alcançar, até porque o projecto contempla a criação de um memorial a Aristides de Sousa Mendes, o cônsul de Bordéus que salvou milhares de judeus durante a II Guerra Mundial. O projecto é da responsabilidade da autarquia guardense sob a coordenação científica da professora da Universidade da Beira Interior Maria Antonieta Garcia.

Catarina Pinto José Laranjeira apresentou em Trancoso o Centro de Interpretação Judaica Isaac Cardoso

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