Arquivo

Aconteceu, mas não devia

Corta!

Por momentos, agonizantes, julguei não ser possível cumprir a promessa deixada na semana passada, de regressar esta semana falando apenas de filmes que valem a penas ser vistos. O primeiro tentado, não tanto por escolha pessoal, mas antes por oportunidade surgida, recaiu em «Aconteceu na Argentina». E pior não podia ser. Se depois de um filme como «Hotel» (aqui comentado na passada semana) a fé no cinema ficou algo abalada, calhar com este logo passado tão pouco tempo pode mesmo fazer uma pessoa deixar de ir às salas.

Se o ponto de partida até nos consegue cativar, tratando o filme dos desaparecimentos ocorridos na Argentina nos anos 70, a abordagem feita é do mais horripilante que se consiga imaginar. A partir do momento em que vemos um cabotino António Banderas (coitado, o filme é tão mau que até custa dizer mal dele) a adivinhar onde estão todos aqueles que o regime da altura fazia desaparecer, percebemos que algo de mau se vai passar. A partir daí é um descalabro completo e até parece que a noção de ridículo é algo que o realizador Christopher Hampton (nascido nos Açores) nunca ouviu sequer falar. Estará tudo louco?! Os poderes adivinhatórios de Banderas continuam até ao fim, terminando por dar sessões, quintas à noite, no seu jardim. Conseguem imaginar? Eu sei que é difícil. No meio disto tudo, espécie de policial mergulhado em universos esotéricos, apenas Emma Thompson se consegue salvar, com uma interpretação tão boa que até custa vê-la metida numa coisa destas, tão ruim.

Filho da…

Para me salvar de promessas que poderiam ficar por cumprir, o melhor mesmo foi ter visto a estreia em cinema de Nicolas Cage. O filme até poderá não ser a última maravilha do mundo, que o não é de todo, mas depois de tão más experiências recentes, é reconfortante regressar a algo que nos faz, no mínimo, ter de novo esperança. Em «Sonny» deparamos com um James Franco que tem o seu quê de Dean. Regressado da tropa para junto da sua mãe, Sonny é um ex-gigolo que tenta sair da única vida que sempre conheceu. Não será nada de novo. Nem sequer a premissa mais excitante, mas Nicolas Cage consegue, por várias vezes, criar grandes momentos de cinema. Daqueles momentos que nos ficam na memória sem quase disso darmos conta.

Como o cinema sempre nos ensinou, para já não falar da vida, pois não é disso que é suposto falar aqui, abandonar e esquecer o passado, tentando novos caminhos, é sempre mais difícil do que à primeira vista nos parece. Sonny tem planos. Um amigo que conheceu garantiu-lhe emprego numa livraria e essa parece a saída ideal para abandonar todos os fantasmas. Mas nem tudo corre como se deseja. Aqui não é diferente. É na luta, e no bater constante contra paredes que se erguem, fazendo surgir e aumentar cada vez mais o desespero do seu herói, que Cage melhores resultados consegue. O seu universo é facilmente identificável, e passa um pouco por todos filmes mais significativos da sua carreira. «Coração Selvagem», de David Lynch, ou «Morrer em Las Vegas», de Mike Figgis, são talvez as suas duas pedras orientadoras, e mais facilmente identificáveis nesta sua estreia.

Longe de brilhantismos, «Sonny» é o típico filme série B, trazendo colado a si toda a simpatia que tais filmes conseguem provocar, muito por culpa da sua habitual ingenuidade e despretensiosismo. Para estreia de quem nada, ou muito pouco, se esperava, «Sonny» surge um pouco como lufada de ar fresco. E só para ver a participação como actor de Nicolas Cage neste filme já vale a pena o preço do bilhete.

Por: Hugo Sousa

cinecorta@hotmail.com

Sobre o autor

Leave a Reply