«Era eu mais jovem e mais vulnerável, deu-me o meu pai um conselho no qual, desde então, tenho matutado.
– Sempre que tiveres vontade de criticar alguém – sentenciou -, lembra-te que nem todas as pessoas deste mundo tiveram as mesmas oportunidades que tu tiveste. Não disse mais nada, mas sempre fôramos estranhamente comunicativos, ainda que de uma forma reservada, e eu compreendi que ele quisera dizer muito mais do que aquilo.»
Assim me prendi a “O Grande Gastby”, num (re)começo estranho e reservado. Ler um livro assim é visitar lugares impossíveis – jardins onde as flores nunca murcham, juventudes onde a esperança não cessa, algures num imperturbável outono em que a azáfama da festa e a melancolia da guerra se conjugam numa perfeita sintonia – por isso, e apenas por isso, quando, há dois anos, tentara abarcar nesta paisagem não conseguira fixar-me nela até ao fim.
Penso que fora sempre a primeira frase a que mais me cativara. Não era um pensamento de Jay Gatsby, mas do seu “velho” Nick Carraway (personagem através da qual podemos tirar todas as impressões sobre a luxúria imoderada em que o sonho americano se dita e desdita). A obsessão desta riqueza transporta-nos para não escassas máculas e a dada altura damos connosco a pensar que país é esse que quanto mais se constrói ao sabor de uma utopia, menos reconhece que se aproxima de uma distopia?
Perante essas degradações e distorções auscultamos as alegrias dos amores impossíveis, as extravagâncias da imaginação e os perigos de «viver demasiado tempo um único sonho». Porém, confesso que o que mais me apaixonou nesta leitura não foi o carácter das personagens, ou a sua exuberância estética, mas sim o desfile de imagens, odores e lugares que aqui encontram um motivo especial. A atmosfera onírica e diáfana agarrou-me como uma luz verde que provoca e hipnotiza, levando-me para longe da vida que transcorre lá fora. Não costumo deslumbrar-me com estas passagens, mas um sol pode assumir diferentes verdades, basta que para isso se cante ou desvaneça um sorriso.
Uma subtileza assim desvela-se um pouco por toda a América: Gatsby do North Dakota, Daisy de Louisville, Tom Buchanan de Chicago e Nick Carraway do Minnesota. Ao traçar um trajecto de oeste para o leste, Scott Fitzgerald mostra-nos uma outra vida, uma outra casa. Será essa a magia agridoce das viagens de comboio? Será essa “velha” morada que a América quer agora habitar?
Melanie Alves*
* A autor escreve de acordo com a antiga ortografia