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A ver passar o comboio

Editorial

1Agora sim, há governo e há programa de governo. Agora sim, vamos perceber como é que Passos Coelho vai liderar o país e evitar, esperemos, a bancarrota – enquanto os mercados continuam a ser severos e castigadores e as taxas atingem recordes acima dos 15 por cento em empréstimos de curto e médio prazo. Confirma-se pois que o país, sem o FMI e o BCE, já não teria dinheiro para nada e, pior, confirma-se que sem o resgate estaríamos a pagar juros impossíveis e a ruptura estaria eminente. Sem olhar para trás (se o fizéssemos teríamos de mandar prender muita gente – todos os que nos conduziram a isto!) é hora de procurar o melhor caminho e os entendimentos que permitam a viabilização do país. Podemos não nos rever nas soluções apontadas ou sugeridas, podemos nem concordar com a forma ou o conteúdo, mas devemos aguardar que haja capacidade e saber para inverter esta situação de dificuldade e empobrecimento do país.

2Entre as muitas medidas definidas e acordadas com a Troika encontramos o encerramento de 800 quilómetros de linhas ferroviárias. Há muito que sabemos do desinvestimento no transporte ferroviário. Um erro que nunca preocupou demasiado os portugueses. Agora é tarde para lamentações e apelos em defesa desta ou daquela linha. A verdade é que o estudo do anterior governo evidencia que são quilómetros de linhas que não têm qualquer viabilidade e contribuem sobremaneira para os milhões de prejuízos da Refer e da CP. O seu encerramento é inadiável e inapelável. Por muito que nos desagrade. A ligação Guarda-Covilhã, suspensa há anos, cuja reativação nos deixava expectantes, em definitivo, ficará encerrada.

As movimentações em defesa da reabertura da ligação férrea Pocinho-Barca d’Alva, de interesse cultural e turístico, esbarram agora contra a possibilidade de a Linha do Douro ser suspensa a partir do Peso da Régua. A confirmar-se, será uma mudança de paradigma impressionante: uma das mais importantes e bonitas linhas de comboio, que dava tanta vida às margens do rio, poderá morrer; uma linha ferroviária, e um comboio, que é parte integrante do Património da Humanidade não cabe nos números contratados com os credores; o que resta desse património de afetos, de vida, de dimensão social, de relação entre o comboio e o Douro, de uma beleza extraordinária, esfuma-se pela chaminé da falência do país.

3O mau negócio do Hotel de Turismo, aqui devidamente e oportunamente tratado, foi feito entre duas entidades públicas – Câmara da Guarda e Instituto de Turismo – não necessitando de concurso público – a discussão sobre o assunto não faz sentido. Outra coisa é que a venda não seja criticável pela forma, pelo valor ou pela opção política da decisão. Álvaro Amaro sabe que é assim. Por isso, defender, de forma estridente, que o novo governo não deve pagar é baixa política e é defender a irresponsabilidade em política. Na altura própria, quando o negócio foi feito, era o tempo para discutir e criticar – e Amaro podia até ter atuado politicamente ou judicialmente contra o negócio, mas quase não se ouviu. Agora, é o tempo de exigir que o compromisso seja devidamente assumido e é o tempo de exigir que rapidamente sejam feitas obras e abra a escola prometida (ou será que preferem ver o edifício ruir?). O contrário disto é contraproducente e obtuso. Tanto como a moção votada na Assembleia Municipal contra as palavras do dirigente laranja: será que os deputados socialistas só defendem a liberdade de expressão quando lhes interessa? Parece!

Luis Baptista-Martins

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