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A utopia de Woody

Opinião – Ovo de Colombo

“Nebraska” (2013) foi uma das surpresas (agradáveis, diga-se) entre os nomeados dos Óscares 2014, mas saiu do Kodak Theatre sem nenhuma estatueta. O realizador Alexander Payne, já oscarizado pelos argumentos adaptados de “Sideways” (2004) e “Os Descendentes” (2012), transporta-nos para a melancolia e sobriedade dos filmes a preto e branco com Bruce Dern ao leme – o que lhe valeu a segunda nomeação (35 anos depois) e a Palma de Ouro em Cannes. Já June Squibb, que dá vida à esposa do protagonista, conseguiu a primeira nomeação aos 84 anos, tal como o argumentista Bob Nelson, que se estreia no cinema.

Woody Grant é um homem de sonhos simples: quer uma carrinha e um compressor e, para os ter, conta gastar parte do milhão de dólares que ganhou numa lotaria insólita. Mas é um sonho a 1500 quilómetros de distância – o idoso vive em Billings (Montana, EUA) e terá de levantar o prémio em Lincoln (Nebraska, EUA). Contudo, como a “lotaria” lhe chegou num panfleto claramente publicitário, ninguém apoia a ilusão de Woody que, não tendo outra hipótese, sai constantemente de casa para, a passo, tentar cumprir o objetivo. A inocência (quase infantil) do protagonista é testada pela verdade a que não pode escapar – não ganhou nada – e por uma sociedade que não sabe lidar com a diferença. Apenas o filho David (Will Forte), perdido nos próprios falhanços, decide apoiar o pai, procurando assim evitar males maiores, mas também aproximar-se da figura paternal problemática que pouco (re)conhece.

“Nebraska” lembra o velho e badalado “sonho americano” adaptado aos dias de hoje, conduzindo os americanos (e o resto do mundo) à redescoberta das suas raízes e da sua identidade, que tem de conviver (nem sempre de forma pacífica) com a realidade social e familiar. A preto e branco voltam ainda, sorrateiramente, os fantasmas do passado dos personagens, que são acordados pelo caráter consumista de quem cruza este “road movie”. Do riso às lágrimas, “Nebraska” é uma montanha russa de emoções e desconstruções do que era tido como absoluto, com os tons acinzentados do filme a espelharem a “obscuridade” interna de quem percorre a tela. O espectador é confrontado com uma sociedade egoísta comandada pelo sonho, nomeadamente material, que não olha a meios para atingir o fim ambicionado. E nada está a salvo: afinal o “status quo” é uma ilusão tão grande como a de Woody.

Sara Quelhas*

*Mestranda em Estudos Fílmicos e da Imagem (Estudos Artísticos) na Universidade de Coimbra

Sobre o autor

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