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A urbanidade do centro da Covilhã

O núcleo antigo da Covilhã, situado estrategicamente na zona do Castelo, foi substituído por outras centralidades. Diversos fenómenos, como a fundação dos conventos mendicantes, a construção dos Paços do Concelho e a abertura das ruas Direita e Marquês d’Ávila e Bolama alteraram a dinâmica urbanística dos arrabaldes, retirando progressivamente protagonismo ao Largo de Santa Maria, durante muito tempo o sítio mais nobre da vila. Na sequência do Ante-Plano de Urbanização, em meados do século XX, constrói-se o conjunto de edifícios da Praça do Município (Câmara, Teatro-cine, Caixa Geral de Depósitos e Correios), o Mercado, o Jardim Público e o Largo da Infantaria 21, nos limites das muralhas, provocando grande alteração no imaginário e nas vivências colectivas, sobretudo pelo dano irremediável na forma e na escala urbana da zona do Pelourinho, de praça transformada em rotunda.

Se o valor patrimonial da Covilhã, mormente o industrial, é unanimemente reconhecido, o mesmo não sucede relativamente à qualidade do espaço público e às grandes opções urbanas do passado recente. A profunda transformação funcional ocorrida, os efeitos da expansão da mancha edificada e as alterações induzidas pela proliferação viária reflectiram-se no deslocamento do centro de gravidade (administrativo, comercial e de serviços) para a Baixa. Os vales das fábricas obsoletas foram rodeados por uma cintura de prédios com cércea excessiva, fechados por marquises, com garagens e embasamentos cegos, sem espaços de circulação pedonal nem áreas verdes. Não obstante, tem-se a nostalgia do centro antigo, progressivamente arruinado.

A identidade urbana vê-se como alternativa à mediocridade imposta pela globalização e, simultaneamente, estimula o sentimento de pertença, essencial ao cosmopolitismo. Quando uma cultura quer dominar outra, como o centro domina a periferia, a relevância dos espaços desequilibra-se. O centro serve uma lógica de poder, independente da conveniência dos cidadãos. Discutir o centro é um modo de olhar para o todo, para as zonas de fronteira e, cada vez mais, uma forma de ajustar a cidade às mudanças e ao quadro de oportunidades, subordinadas a valores colectivos.

Os governos e as autarquias beneficiam de pouca credibilidade na salvaguarda da coisa pública e demonstram notória incapacidade de inovação, preferindo centrar-se em acções de aparato, mediáticas ou imobiliárias que na discussão e programação de soluções para o território. Ao passivo financeiro junta-se agora a consciência do passivo ambiental.

Para inverter este cenário, a meta principal da recente Carta de Leipzig1 passa por fortalecer o centro da cidade, atrair pessoas, actividades e investimento e contrariar o fenómeno da dispersão, que tem aumentado o tráfego automóvel, o consumo energético e a área de solo ocupada. A política urbana preconizada deve focar-se na resolução dos problemas de exclusão social, de envelhecimento, de mobilidade e de ambiente, tornando as cidades mais atractivas para viver e trabalhar. Também o recém anunciado Polis XXI, propõe uma visão sistémica, conciliadora de modelos de governança com a regeneração e a diferenciação urbana.

Nota: A deriva geográfica do Centro da Covilhã, a percepção popular do que significa sê-lo, e as eventuais estratégias de participação dos cidadãos na sua regeneração são os objectivos do debate promovido pelo Movimento Cidadania Covilhã no dia 29, às 18 horas, no auditório da AAUBI.

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1 Carta de Leipzig, Sobre o Renascimento das Cidades, assinada a 25.05.2007 pelos ministros europeus responsáveis pelo ordenamento do território e urbanismo, sob a presidência alemã

Por: Francisco Paiva

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