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A última rainha

Anotações

No mês em que ocorre a comemoração do Dia Mundial da Tuberculose (24 de março) julgamos terem cabimento algumas anotações sobre a última rainha de Portugal, pelo eminente papel que teve na criação do Sanatório Sousa Martins. Empenhada nas causas sociais, a rainha D. Amélia dispensou particular atenção aos doentes e aos mais desfavorecidos, sendo, aliás, significativo o facto de o pavilhão destinado aos doentes mais pobres ostentar o seu nome.

Maria Amélia Bourbon e Orléans nasceu em Twickenham, arredores de Londres, em 28 de setembro de 1865. A filha mais velha de Filipe de Orléans (conde de Paris e chefe da Casa Real de França) e de Isabel de Montpensier, que se encontravam, à altura, exilados em Inglaterra, apenas foi viver para França em 1871. Nos anos seguintes, Amélia viajou com frequência e frequentou os principais palácios das monarquias europeias; personagem culta, apreciava o teatro, a ópera, a pintura e a leitura, convivendo, em Paris, com os escritores mais eminentes da época. Em 1886 conheceu D. Carlos, herdeiro da coroa portuguesa, de quem veio a ficar noiva nesse mesmo ano; o casamento ocorreu em 22 de maio, em Lisboa, onde cedo manifestou as suas preocupações face ao flagelo da denominada “peste branca”. Eça de Queirós definiu-a como «senhora de grande e dedicada esmola. E a sua esmola não baixa majestosamente do trono, numa salva, entre alabardeiros. Ela própria a leva, sob um véu espesso, a todos os recantos (…); ama a caridade racional, que se organiza, se arma em instituição, derrama o bem por estatuto».

A sua atenção às questões culturais manifestou-se por diversas formas sendo a criação do Museu dos Coches Reais, em 1905, uma das mais expressivas traduções dessa postura. Amélia de Orléans viveu em Portugal entre 1886 e 1910, num período social e politicamente muito complexo, em que soube superar muitas contrariedades e definir uma estratégia de auxílio às camadas sociais com menores recursos.

A Assistência Nacional aos Tuberculosos, de que o Sanatório da Guarda foi a primeira unidade hospitalar, constituiu, nesta matéria, uma das obras mais relevantes da Rainha D. Amélia. «Para a tuberculose como para outros tantos males, há meios na ciência para, se não os conjurar, ao menos diminuir os seus estragos e remediar os seus efeitos», como afirmou, em 1900, numa das suas intervenções públicas.

Na cruzada contra a tuberculose, a Rainha procurou, por vários meios, canalizar recursos financeiros para combater a doença; a receita da venda do livro “O Paço de Sintra”, escrito a seu pedido pelo Conde de Sabugosa, e que foi ilustrado com desenhos feitos por D. Amélia, foi um dos muitos contributos para essa causa, de que o Sanatório da mais alta cidade portuguesa foi um destacado pilar. A Rainha D. Amélia, acompanhada pelo Rei D. Carlos, veio à Guarda em 18 de maio de 1907, aquando da sua inauguração e ao qual atribuiu, como homenagem, o nome do médico Sousa Martins (que falecera em 1897).

A sua vida ficou tristemente marcada pelo regicídio ocorrido, em Lisboa a 1 de fevereiro de 1908, de que resultou a morte do Rei D. Carlos e do herdeiro D. Luis Filipe, Príncipe da Beira; com a aclamação de D. Manuel II, como Rei de Portugal, a 6 de maio de 1908, D. Amélia passou a colaborar nos atos da governação.

Implantada a República a 5 de outubro de 1910, D. Amélia foi forçada ao exílio; começou por se instalar em Woodnorton (Inglaterra), residência do irmão, e em janeiro de 1911 passou a viver em Richmond Hill. No verão de 1921 mudou-se para França. Convidada por Salazar, em 1939, para vir para Portugal a Rainha não aceitou e passou os anos da II Guerra Mundial em França, onde não esqueceria as suas ligações ao nosso país, tendo hasteado mesmo a bandeira portuguesa na sua residência.

Seis anos depois, em maio de 1945, veio a Portugal e foi recebida de forma apoteótica; entrou na fronteira de Vilar Formoso a 17 de maio de 1945, na véspera de se comemorarem 38 após a inauguração do Sanatório Sousa Martins. A Rainha D. Amélia faleceu em Chesnay (Versalhes) na manhã de 25 de outubro de 1951; o seu corpo seria transladado para Portugal em março de 1952, tendo ficado no Panteão Nacional.

A 5 de dezembro de 1951 a Câmara Municipal da Guarda decidiu atribuir o nome da última rainha de Portugal ao troço da estrada nacional nº 18 que ladeava o Sanatório e o extremo da Rua Batalha Reis.

Na história da luta contra a tuberculose, a rainha D. Amélia e o Sanatório Sousa Martins (Guarda) constituem duas importantes referências que importa sublinhar.

Por: Hélder Sequeira

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