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A surpresa

Bilhete Postal

“Ah! foste tu?”, “Ai essa agora!”, “O quê? quem disse isso?”, “Soubeste?” e depois começa a má língua, que não é forçosamente má, pode ser áspera do tabaco, pode ser atrevida de mulher vivida, o que é avinagrada como se espera. A língua desentorpece nas ofensas que liberta. São histórias de alguém, outras vezes histórias sórdidas, coisas que se dizem e outras que se deduzem. Sai um conto e lá se aumentam pontos e vírgulas e enredos. Cai-se na boca da gente e vira-se besta. Cai-se na boca dos cães e sangra-se. Depois a mordidela infecta e o nome esvai-se. A surpresa da ofensa é: “mas quem te disse?” e nunca foi alguém. É uma coisa anónima, desenxabida, hostil, que cheira por aí. O teu nome carrega autocolantes, vai vestido de nódoas e cumpre um caminho errático dos ouvidos de uns à boca dos outros, dos dentes daquele às alfinetadas e cuspidelas de mais gente. Navega por entre pessoas e avoluma-se enquanto transborda e agora é das praças e dos corredores das instituições e logo mais das comissões de inquérito e dos testemunhos abonatórios e do Ministério Público que representa os anónimos. O insulto ganhou corpo e a notícia vai ao jornal. “na primeira página?”, “mas o que é isto?” Agora, por razões que nada têm que ver contigo, és famoso. Falam de ti, e não é por bem! A história é maior que nós e o pouco que mentiste virou verbena, virou coisa que se propaga com onda média. Entrevista e depois polícia. Um cidadão pode ser vertido em línguas venéreas, em bocas porcas e fica carregado de emplastros sujos. Tirar esta surpresa é que só mesmo o tempo e a distância.

Por: Diogo Cabrita

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