Arquivo

A rolha, protagonista do Carnaval na Guarda

Agora Digo Eu

Com um movimento brusco abri a garrafa. Olhei p’ra rolha, analisei-a e compreendi porque é que o vinho se mantém vivo, vira na garrafa e envelhece. O vinho, só por si, não manteria características organoléticas se a garrafa não fosse escura e a rolha não garantisse a qualidade necessária. Afinal uma boa rolha também faz um bom vinho.

Na mesa posta para o jantar a pobre rolha ali jazia quieta, só violada pelo perfurador saca, que também leva o nome da rolha, ao que eu, de copo semi cheio, bebia, em pequenos goles, fazendo questão de saborear todo o travo agridoce do néctar dos deuses. A rolha permanecia prostrada e quieta, incomodada apenas pelo meu olhar, numa meditação acerca da sua feitura, da sua composição corticeira, do seu modo de fabrico, pensando existir muito mais vida para além da cortiça e da rolha.

Após a refeição levantei-me da mesa e lancei o último e derradeiro olhar à pequena rolha. O que lhe iria acontecer? Direitinha p’ro lixo? Guardada para reciclar? Existiria, por acaso, o dia mundial das rolhas ou estes pequenos cilindros seriam apenas símbolos das ditaduras ou ainda assim novos símbolos “democráticos” de uma qualquer estratégia política?

Após esta reflexão, dei por mim sentado no sofá da sala, naquele descanso merecido do guerreiro urbano, a escutar as últimas do dia e, eis, coincidência das coincidências, o apresentador do telejornal começa a falar na “Lei da Rolha”. Apercebi-me então que depois de toda aquela congeminação acerca das ditas cujas, também elas tinham a sua própria lei. Com o olhar atento e o tímpano mais desperto, agucei, naturalmente, o apetite para a notícia, tendo percebido que a Lei da rolha é uma estupidez, sem pés nem cabeça, embora muitos gostem dela, sejam seus adeptos, fãs e cínicos defensores e, mesmo depois de ser doutamente analisada, com todos os preceitos legais e constitucionais, chega-se facilmente à conclusão que este pequeníssimo objeto é de sobeja importância na vida das sociedades.

O Julgamento e Morte do Galo, no próximo 2 de março, na cidade da Guarda, começa com um espetáculo onde a rolha é protagonista, existindo os evidentes argumentos prós e contras. “Só a rolha pode salvar Portugal”, chegando os seus defensores a propor feriado num pretenso “Dia Municipal da Rolha, a tal que serve para tapar o gargalo ao povo”, e onde os seus adversários prometem fazer guerra a todas elas, mesmo as de plástico, mundialmente certificadas, numa luta entre a UGT (União de Galos Tradicionais) e a CGTP (Confederação das Galinhas Tradicionais Portuguesas).

A 1 de fevereiro de 1850 é apresentada a Lei das Rolhas pelo nosso conterrâneo, Fornense de nascença, o bem odiado presidente do governo, António Bernardo Costa Cabral, batendo-se imediatamente contra a dita, a favor da liberdade de pensamento e de imprensa Almeida Garrett, Alexandre Herculano, Lopes de Mendonça, o que fez com que as rolhas fossem abolidas meio ano depois, exprimindo, todos nós, vontade para que esse pequeno e (quase) insignificante objeto continue a passar despercebido, deixando, de uma vez por todas, de ser o protagonista das luzes da ribalta, ao mesmo tempo que deverá perder o estatuto de símbolo daquela doentia, velha, podre e encarquilhada mentalidade que ainda hoje alimenta pequenos tiques e repeniques, de pretensos ditadorzecos, que sonham em controlar e asfixiar a liberdade e a democracia.

Pela parte que me toca, garanto que a partir de agora, ao abrir uma garrafa, olharei p’ra rolha com outros olhos. Com olhos fixos num objeto que tem lei. Que impõe lei. E que lei…

É mesmo por isso que o Entrudo deste ano, aqui na Guarda, vai defender a reforma da rolha, agarrando definitivamente a ideia do “bag in box”. A ideia é deveras interessante. Passem por lá…. Seguramente não se irão arrepender.

Por: Albino Bárbara

Sobre o autor

Leave a Reply