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«A região tem tantas carências que ter expectativas positivas se torna quase um imperativo»

Cara a Cara – Entrevista

P – O que mudou nestes 10 anos, depois da classificação das gravuras do Vale do Côa?

R – Relativamente à projecção que o Vale do Côa tem no país e no mundo, através das várias dezenas de milhares de visitantes, muito mudou. Mudou também o conhecimento que as populações residentes têm do seu património. Se tivermos em conta que o ProCôa, a AIBT do Vale do Côa e, esperamos nós, o PROVERE se centraram no valor atribuído à arte do Côa, o balanço de mudança é também significativo. O conhecimento sobre a arte e o seu enquadramento arqueológico é incomparável. Olhando para a foz do Côa, vemos a futura sede do Parque e Museu do Côa que marca aquela paisagem e nos obriga a pensar no papel que desempenhará na região. Mas não é possível fazer um balanço rigoroso sem definir alguns indicadores com precisão.

P – Também tem a sensação de que muitas expectativas saíram goradas, quando se previa e/ou desejava um impacto maior e mais desenvolvimento?

R – Para Foz Côa, esse foi um tempo marcado pela mobilização, debates, grandes entusiasmos e desilusões. Após um período assim, os ventos amainam e as maiores esperanças, bem como os mais fortes receios, confrontam-se com a realidade mais matizada do dia-a-dia. Hoje os conflitos estão mitigados. A esperança de mudanças súbitas também. Mas se em Altamira esperaram mais de 100 anos para ter um museu aberto ao público (cf. dafinitudedotempo.blogspot.com), aqui o museu está prestes a abrir as suas portas. Não desenvolverá, por si, a região, mas será, com uma dinâmica apropriada, uma peça nesse desiderato.

P – Acha que essas expectativas eram legítimas?

R – Diria que inteiramente legítimas, no sentido em que a região tem tantas carências que ter expectativas positivas se torna quase um imperativo. É-se forçado a alguma firmeza, a manter a esperança. Face a um debate público em que estavam na primeira linha ideias sobre mais visitantes, mais emprego, mais investimento, quem não teria, legitimamente, expectativas?

P – Que comentário lhe merecem as palavras de Emílio Mesquita, presidente da Câmara de Foz Côa, que diz que «o modelo de visitação é péssimo»?

R – Os inquéritos que há anos se fazem aos visitantes do Parque referem-nos, na sua esmagadora maioria, que, depois de a conhecerem, recomendariam a familiares e amigos a visita à arte rupestre do Côa. Por outro lado, as visitas à arte paleolítica das grutas franco-cantábricas são guiadas também. O que decorre da natureza do património em causa, que carece de enquadramento. No entanto, ao passo que algumas grutas estão fechadas ao público, no Côa tal não ocorre: cumprindo algumas normas de salvaguarda, os originais são visitáveis. Mas as críticas são bem acolhidas para que possamos melhorar o nível do nosso desempenho. E a abertura do Museu obrigará a uma melhor resposta por parte do sistema de visitas.

P – O que é que o Museu do Côa poderá trazer à região?

R – Mais visitantes, turistas, projecção internacional e um enquadramento científico sobre a arte rupestre e os acampamentos coevos estudados. E deverá ser capaz de criar uma animação regular que preste serviço aos residentes, desde logo às escolas e aos jovens, mas também a esse público tão significativo que são os seniores. Finalmente, criar uma ponte com os centros urbanos próximos, portugueses e espanhóis. Isso só se faz com uma programação de qualidade.

P – Essa obra era imprescindível?

R – Para que a resposta à procura se possa dar adequadamente, sim. Para projectar internacionalmente, também. Embora não seja possível esperar que o parque e o museu alterem radicalmente uma situação que se vem acentuando desde o século XVI, com a debandada de gentes e vontades, a verdade é que é dever do PAVC, até legal, procurar contribuir para inverter essa tendência.

P – Este é o melhor modelo de gestão para o Parque Arqueológico do Vale do Côa ou parece-lhe que será desejável promover uma parceria público-privada?

R – Cada caso é um caso e penso que devemos inspirar-nos em bons modelos e adaptá-los à realidade do Vale do Côa. Entendo – e é a minha opinião pessoal – que um modelo com alguma complexidade, acrescentado a um serviço público a colaboração de entidades locais, públicas e privadas, mas também exteriores, com conhecimento na área da gestão e dinamização cultural, será adequado.

P – O que poderá mudar as coisas, no sentido de levar mais gente às gravuras?

R – Essencial é criar uma ligação desde o rio Douro até ao Museu do Côa, abrir novos núcleos na proximidade do museu, formar mais guias. Manter uma dinâmica de animação cultural de qualidade. E promover a região.

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