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A rede, o poder e o contrapoder

Razão e Região

«O nosso objectivo é mudar o mundo»

Eric Schmid, chefe executivo do Google

Retomo os meus artigos neste espaço, regressando a um tema que julgo ser de enorme importância nos dias que correm. Sobretudo, com a actualíssima questão chinesa das relações entre a universalidade da Internet e a soberania nacional do colosso oriental. E o tema é o da natureza do novo espaço público que resultou da emergência da rede como espaço público de deliberação. Longe vão os tempos em que o espaço público era a rua ou a praça ou mesmo em que era delimitado pelas fronteiras da imprensa ou dos media convencionais, como a televisão. Este último era um espaço controlado pelos chamados «gatekeepers», pelos senhores da opinião, pelos «cães de guarda» do público. E é claro que este espaço tanto era um espaço livre e crítico dos vários poderes (não só do político) como era um espaço instrumental para conquistar, preservar e reproduzir poder. Este era também aquele espaço onde os «spin doctors» manipulavam para desviar atenções e orientar a agenda pública ao sabor de interesses muito resguardados. Ora a rede, com todo o arsenal de instrumentos de acesso directo ao espaço público que ela própria integra e configura, veio alterar tudo isto, dando a possibilidade aos cidadãos de acederem directamente à informação, mas também ao próprio espaço editorial, tornando-se eles próprios produtores de informação e de opinião.

O Manuel Castells identificou esta nova realidade através do conceito de «mass self communication», de comunicação individual de massas. Conceito que até parece, à primeira vista, algo contraditório, já que a afirmação individual resiste à ideia de uma sua anulação nesse universo compacto das massas. Mas é por isso mesmo que ele é interessante. Com efeito, quando se fala deste universo, na «mass self communication», fala-se na capacidade expansiva universal do sistema em rede, precisamente a partir de pólos individuais, mas múltiplos ao infinito. Lá onde o acesso é directo e sem mediações, mas onde, por isso mesmo, esta possibilidade de expansão está condicionada, à partida, pelas competências do próprio emissor, pela sua capacidade de produzir conteúdos e de os difundir no interior do sistema, pela sua genialidade e também pela sua capacidade de entrar no sistema dos media convencionais, ainda indispensáveis para uma boa difusão na própria rede. Trata-se de uma poderosa revolução que permite agir no interior do espaço público como nunca, antes, acontecera. E é por isso mesmo que muitos – por exemplo, o próprio Castells – já começam a chamar a atenção para as manobras vastíssimas que se estão a verificar na rede, não só através da sua ocupação pelos media convencionais, no plano dos conteúdos e dos seus agentes orgânicos, mas também por parte de grupos ou mesmo de países – por exemplo, a China, com a sua «Grande Muralha de Fogo», ou seja, a censura online da República Popular – que temem que este espaço se venha a transformar num perigoso espaço de contrapoder. Diz Castells: as elites dominantes vêem-se, assim, desafiadas por movimentos sociais, projectos de autonomia individual ou políticas insurreccionais que encontram um ambiente muito mais favorável nesse universo emergente da “mass self communication”. Deste modo, ao que se assiste é a uma nova fase de construção do poder no espaço de comunicação, quando os poderosos compreendem que é necessário responder ao desafio lançado pelos networks de comunicação horizontal. Que significa isto, diz ele? Significa ter necessidade de vigiar a Internet, como acontece nos USA; de controlar manualmente o correio electrónico, se não se dispuser de um robot em condições de o fazer, como comprovado pelas últimas descobertas na China (onde, segundo Federico Rampini, 15.000 técnicos trabalham em permanência no controlo da informação, muitas vezes usando os mesmos métodos dos ciberpiratas); de tratar os utentes da Internet como piratas e vigaristas, como está abundantemente previsto na legislação da UE; de adquirir «sítios» da WEB de social networking, para controlar as suas comunidades; de adquirir as infraestruturas de rede para fazer discriminações nos direitos de acesso. Em suma, de recorrer a tantas tácticas de controlo e de delimitação daquele que é o mais recente modelo de espaço de comunicação.

Isto diz Castells. E com isso ele quer dizer que esta grande revolução no espaço público começa agora a conhecer ela própria a sua própria contra-revolução. Mas uma coisa é certa: o mundo não volta para trás e a natureza da Internet é tal que o controlo se torna cada vez mais difícil. E o que eu creio é que ela já nos trouxe mais coisas positivas do que negativas. Como dizia Bill Gates: «a China, de qualquer modo, será melhor do que antes, graças a nós».

Por: João de Almeida Santos

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