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A propósito do TMG

Theatrum Mundi

Não é novidade afirmar que, no tipo de sociedade da informação em que vivemos, a comunicação social adquiriu um papel central, um papel que vai exercendo aliás em nome da construção de uma sociedade mais aberta e da monitorização do exercício de todo o tipo de funções públicas. Que o quotidiano da comunicação social seja marcado pela contínua disputa em torno dos limites que separam o domínio público do domínio privado não deixa sequer de ser o reflexo natural de uma polémica recorrente que transcende em muito as páginas dos jornais e os programas da televisão generalista. E que a polémica seja recorrente significa, por conseguinte, que o tratamento público do que é público e do que é privado tem vocação para continuar a animar as discussões em torno do papel da comunicação social.

Neste contexto, parece-me particularmente preocupante a forma como a comunicação social nacional informa o país acerca do país. Em especial a televisão. Toda a televisão; tanto a pública como a privada. O crucial da questão, e o que faz da comunicação social um instrumento tão poderoso, é o facto de a sua actividade não consistir nunca numa mera descrição do que vai acontecendo por este mundo. Não é preciso que invente factos ou que seja manipulada pelo poder político para que a comunicação social adquira a natureza de poderoso instrumento de construção da realidade social. E no nosso país isto significa, designadamente, que em especial a televisão tem funcionado como a outra face do centralismo político, legitimando, por intermédio da imagem e da voz off, a empedernida convicção de que Portugal continua a ser Lisboa, e talvez o Porto um pouco, desde há alguns anos e por culpa do futebol; o vasto resto continua atirado para a categoria do dispensável, da paisagem em vias de extinção.

Ou não foi como paisagem que a comunicação social nacional tratou a inauguração do TMG? Um projecto crucial, com potencialidade para finalmente produzir o salto na qualidade de vida de uma vasta região do interior do país, e que solidifica a Guarda como pólo atractivo e a pode elevar bem acima do estatuto de mera cidade de média dimensão, foi praticamente ignorado por essa comunicação social. Foi reduzido a nota de pé de página nos boletins de curiosidades em que se transfiguraram os telejornais das televisões generalistas e convertido em atracção de província do mesmo género da piscina-inaugurada-no-tórrido-Verão-transmontano ou da prisão-de-larápios-de-loja-de-telemóveis-em-pacata-vila-beirã. Assim vai sendo construído, ou talvez aniquilado, o imaginário nacional dos cidadãos-telespectadores de um país que todos caracterizam como de pequena dimensão e que alguns se empenham em reduzir ao mínimo do televisivamente correcto.

A realidade é que as televisões continuam a alimentar e a legitimar, e por conseguinte a construir, a bucólica e perversa imagem de uma serrania indistinta que se estende para lá das grandes áreas de consumo de Lisboa e Porto, a que chamam província e onde tudo o que se passa é irremediavelmente pacóvio, risível ou, na melhor das hipóteses, digno de dó e susceptível de inspirar o sentimentalismo de sofá do telespectador recém chegado da grande superfície comercial. É então que o repórter, o locutor de curiosidades ou a compreensiva voz off expressam toda a sua comiseração por um mundo que guardam no olfacto, nas recordações das longas férias de Verão da escola primária mas que sabem, porque todos o repetem, que é um mundo condenado e em vias de extinção.

Por: Marcos Farias Ferreira

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