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A propósito de “A propósito de “Uma carta aberta a um excremento anónimo”

Coisas…

Confesso que o título deve estar confuso, mas eu explico: há duas semanas Jorge Bacelar debitou aqui para as páginas de O Interior um desabafo incontido e violento que me encheu as medidas. Escrito num fôlego para ser lido num fôlego; directo à cabeça, cheio de ritmo, povoado de deliciosos neologismos, cada um mais visceral que o anterior e, como se não bastasse a questão da forma, com um conteúdo claro, legítimo e saboroso. Usarei o meu melhor “adjectivo” para classificar o texto, como diria o velho Tomás: gostei.

Uma semana depois (há uma semana, portanto, uma vez que já passaram duas!) um leitor do Rio de Janeiro vem manifestar o seu desagrado pelo conteúdo e pela forma do texto. Numa palavra (que serão duas): não gostou. Fá-lo, porém, de forma elegante e educada deixando entrever até alguma consideração e apreço pelo cronista criticado (consideração e apreço que partilho, por acaso, apesar de só o “conhecer” pelos escritos que produz aqui para O Interior).

Vem isto a propósito (para além da óbvia falta de assunto nesta altura do ano, enquanto a Dra. Ana Manso não se lembrar de mais nenhuma) da velha questão da responsabilidade de quem escreve para os jornais, sabendo que serão lidos por mil e uma pessoas que nada têm que ver com “as azias que levamos para casa ao fim do dia”. Vem isto a propósito, também, da crónica de Rui Isidro na edição da passada semana (e não é que O Interior tem mesmo mais do que um bom cronista?!), um verdadeiro exercício de bom senso, liberdade e responsabilidade.

Ao ler a crónica de Jorge Bacelar, para além do óbvio gozo que me deu o conhecimento de novos conceitos como os de “Vossa Dejecção”, “Vossa Flatulência”, “Vossa Putrefacção”, “Vossa Sordidez”, “Vossa Esterqueira”, “Vossa Insignificância” ou “Vossa Podridão”, a primeira ideia que me veio à cabeça foi a do conteúdo do Artigo 37.º da Constituição da República onde se lê: Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra (…) sem impedimentos nem discriminações.

De memória em memória, chego ao célebre improviso de Mário Soares, ao tempo Presidente da República, onde se pôde ouvir qualquer coisa como isto: “Quando os cidadãos se demitem de expressar os seus pontos de vista, quando deixam de participar na vida pública (…) então deixam de ser cidadãos.”

Posto isto, caro leitor, dois reparos apenas ao seu desabafo: nem todos os leitores ficaram com o estômago às voltas por causa das repugnantes (ou repugnadas?) palavras de Jorge Bacelar; em segundo lugar o que é para não ser lido, é apenas para não ser lido. Nunca por nunca para não ser publicado.

Por: António Matos Godinho

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