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«A produção tradicional não é incompatível com a higiene»

Entrevista a António Mendes, veterinário municipal de Trancoso

P – Qual é o estado do sector agro-alimentar no concelho de Trancoso?

R – A situação está mais ou menos estável. Já houve mais queijarias a funcionar do que neste momento, pois algumas fecharam devido à dificuldade na venda de queijo e também devido às exigências técnicas e sanitárias que foram impostas aos produtores. Nesta fase não estará para fechar mais nenhuma, mas os produtores já têm alguma idade, o que poderá ser sinónimo de fecho de algumas queijarias a longo prazo.

P – E em relação à indústria da salsicharia?

R – As pequenas salsicharias são atividades ligadas à comercialização de carne e penso que estão estáveis, pertencem a pessoas relativamente jovens, que, devidamente apoiadas, têm todas as condições para as fazer crescer e evoluir. Quanto às grandes salsicharias, temos a Casa da Prisca e as Carnes Rodrigues, que estão a funcionar como sempre funcionaram, com algumas dificuldades, mas estão a comercializar bem.

P – E quantas existem?

R – Temos estas duas grandes e cinco mais pequenas.

P – Quantas dessas sete são licenciadas?

R – Todas.

P – E quanto às queijarias?

R – Neste momento existem 14 pequenas queijarias e uma um pouco maior, que só produz queijo certificado e essencialmente para uma grande superfície comercial. Há depois duas bastante grandes, que são estruturas com uma capacidade industrial bastante considerável. As queijarias estão bem, todas elas vendem, muitas nem vão participar na feira por não terem queijo disponível, têm é o tal problema da idade avançada dos produtores que pode comprometer a continuidade da atividade. Outro problema prende-se com os pequenos produtores que produzem para consumo próprio, mas que, por vezes, fazem alguma concorrência desleal às queijarias licenciadas.

P – Quais os principais entraves que o sector enfrenta neste momento?

R – Os principais entraves serão os custos de produção, quer em relação ao leite, quer na produção de queijo propriamente dita. A autarquia de Trancoso apoia as pequenas queijarias, através de todas as análises e dos controlos de higiene, porque de outra forma o produtor gastava quase metade do seu lucro com este tipo de despesas. A Câmara, tal como outras, tenta minimizar todos esses custos, ajudando-os a produzir com qualidade e com higiene.

P – E como se pode compatibilizar uma produção mais tradicional com as atuais exigências a nível sanitário?

R – A produção de ovelhas de forma tradicional não é incompatível com a higiene. Mesmo em pequenos rebanhos, a criação de um estábulo com algumas condições, a instalação de pequenas salas de ordenha, tudo isso leva à melhoria da qualidade do leite, que se reflete na qualidade do queijo. A formação que é dada nesta área também tem que ser tida em conta.

P – Relativamente à salsicharia, verifica-se a mesma compatibilidade?

R – Sim. Aliás, é essencial que nesta zona de muitas tradições antigas de produção de porco caseiro isso se verifique. A criação dos porcos de uma forma praticamente tradicional dará origem a carcaças com carne de qualidade muito boa, refletindo-se essa mesma qualidade nos enchidos. É pena que na Beira Interior as chamadas “cozinhas tradicionais” não tenham avançado, por terem sido impostas regras muito rígidas para a produção de enchidos.

P – Qual a situação ao nível da certificação dos produtos de fumeiro?

R – Esta zona tem uma variedade impressionante de enchidos, que devem ser revitalizados através da criação de marcas de certificação. Posteriormente, tem que se avançar para a produção de porcos especialmente preparados para melhorar a qualidade destes enchidos. Isso falhou quando se instalou o matadouro da Guarda, que foi criado com essa ideia, ou seja, criar toda uma linha de produção de porcos tradicionais que servissem para abastecer as salsicharias da zona. O licenciamento das atividades agrícolas tem dado “machadadas” impressionantes na produção. A legislação, por vezes, é imposta de repente, com consequências complicadas, que não foram calculadas devidamente.

P – No seu entender, o que é que falta para conseguir essa certificação?

R – Falta, precisamente, reverter um processo que levou à destruição da produção de porcos tradicionais na zona. Apesar de não ser fácil, parece-me que essa será a única forma, produzindo porcos tradicionais, com estruturas pequenas e perfeitamente dirigidas para a produção de salsicharia tradicional local.

«A produção tradicional não é incompatível
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