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A Praça na Praça

Editorial

1. Para os comerciantes da Guarda, e em especial para os poucos que restam no Centro Histórico, o fim da Praça Velha (ou Luís de Camões) como parque de estacionamento ditou a morte da zona antiga da cidade e até mesmo do centro da Guarda enquanto área de comércio tradicional e de serviços.

Como todos sabemos, muitas razões concorrem para o empobrecimento da vida comercial da cidade, em especial a crise económica que por cá está a atingir proporções inimagináveis para quem não vive na dependência direta da atividade económica. Mas para além da crise económica e da austeridade que se faz sentir na Guarda, em Portugal e em boa parte da Europa, o centro nevrálgico da cidade começou a sucumbir há muito tempo.

Nos alvores de oitenta, período que deveria ter sido de crescimento e progresso da cidade (foi o da emergência do crescimento da maioria das cidades) na Guarda não houve planeamento, não houve uma estratégia de desenvolvimento (houve Plano Estratégico mas ficou na gaveta). E houve a promoção da suburbanização. A cidade cresceu, em várias direções, com bairros distendidos e distantes do centro, sem fechar a malha e afastando os cidadãos da cidade. Entretanto, a câmara da Guarda (de Abilio Curto) tirou o “mercado municipal” do centro e levou-o para um “bunker” de betão no Bomfim.

Quando regressamos à Praça é sempre de passagem, para visitar a Sé e assistirmos à decadência da cidade. Porque é ali, naquele que sempre foi o pulmão da vida da urbe, que nostalgicamente recordamos o pulsar da cidade e sentimos o fenecer da Guarda. Talvez o regresso dos carros não se imponha, mas é urgente encontrar opções que minimizem o impacto negativo que a pedonalização da praça teve na vida dos lojistas da zona velha. Deixo uma sugestão, pouco relevante (e que alvitrei sem sucesso à APGUR e à ACG): impulsionar “a PRAÇA na PRAÇA” – isto é, levar de novo para a Praça Velha o mercado das frutas e dos legumes, do artesanato e das coisas da terra, das pessoas da aldeia a venderem às pessoas da cidade, como ocorreu até ao final do séc. XIX. Dinamizar o centro da cidade passa por levar pessoas à Rua do Comércio, à Rua Direita, às ruelas de S. Vicente e pode ser da forma mais simples, recuperar um mercado de rua, com elegância e simplicidade. Pode não ser uma proposta grandiloquente, nem “modernaça”, mas é, tenho a certeza, a melhor alavanca para dar vida ao Centro Histórico da Guarda (imaginem: à quarta-feira e ao sábado, entre as sete da manhã e o meio-dia, colocando bancas por toda a Praça, com harmonia e sabor a tradição, hortaliça do Mondego, facas do Verdugal, cestos de Gonçalo, castanhas de Videmonte, batatas de Valhelhas, etc, e pessoas, muitas pessoas a vender e a comprar…).

2. Os supermercados das grandes cadeias de distribuição são os únicos locais onde se vê gente na Guarda. Por estranho que pareça, segundo um estudo da Deco, e independentemente da insígnia, os supermercados na Guarda vendem mais caro que no resto do país. Aliás, segundo este estudo, em média os mesmos produtos custam na Guarda mais 17 por cento que em Lisboa ou no Porto. E o mais incrível é que quando entramos no Continente ou no Pingo Doce, na Guarda, ficamos impressionados por vermos que estão constantemente cheios de clientes, mesmo quando vemos a hortaliça seca ou a fruta maçada, quando vemos as filas enormes nas caixas ou a falta variedade de produtos. Apesar de praticarem preços mais altos que no resto do país e com produtos da mais baixa qualidade (refiro-me nomeadamente à fruta e aos legumes que já passaram semanas em frigoríficos e transportes), os guardenses preferem comprar em hipermercados de segunda do que nos pequenos supermercados do bairro ou no mercado municipal – «cada um tem o que merece».

Luis Baptista-Martins

Comentários dos nossos leitores
João Tilly joaotilly@gmail.com
Comentário:
REDUNDÂNCIA FATAL: a perda de gente por falta de emprego arrasta consigo a perda de emprego por falta de gente. Se nada for feito e tudo continuar como está, o interior do país despovoará irreversivelmente em apenas 3 décadas. Analisemos a redundância fatal: a perda de gente (no interior) por falta de emprego implica a consequente perda de emprego (dos que ainda existem) por falta de gente (clientes, utentes, em cada terra). (…) Em 2 décadas apenas perder-se-ão todos os serviços, de que os CTT são apenas o pioneiro. Depois serão os bancos, as companhias de seguros, os tribunais e as repartições públicas. Fecham os restaurantes, bares e escolas – não há jovens – e a consequência final é a perda do estatuto municipal, que terá que ser associado a mais outro município, pelo menos. O cenário está montado. Jovens não nascem. Os que nascem vão-se embora para as grandes cidades. Só fica na terra quem não estuda, ou seja: os menos qualificados. O que há a fazer? 1 – deixar a natureza seguir o seu curso e aceitar – que é o que parece estar a fazer a maioria dos autarcas – e trabalhar para os que resistem; 2 – lutar para que este processo de despovoamento galopante se inverta. E como lutar? Apostando na única indústria que entrega os seus produtos no local e os vende repetidamente a milhões sem necessidade de fabricar novos: o turismo. Outras empresas não se atraem para o interior. As últimas 2 décadas mostram-no bem. Pontualmente, novas empresas de índole agrícola poderão contribuir para uma retenção (familiar) na região. Mas a banca não empresta dinheiro – dentro de uma década também ela abandonará o interior – e tudo terá que ser feito de forma artesanal o que leva a que essas empresas não singrem como deveriam e poderiam. (…)
 
Miguel Frias friasmig@gmail.com
Comentário:
Fica aqui um comentário a um desafio colocado no facebook sobre a Praça Velha, em 7/6/2013. Pois é, mas se há alguém que quer movimento e hábitos de usufruto da Praça Velha, são os que vivem dos negócios lá instalados. Portanto, obras à porta nesta altura de crise só podem prejudicar mais ainda esses negócios que lhes dão sustento. Basta perguntar a quem viveu esse período para perceber o que sofreu. O mal está feito e andar para trás será uma pior receita. E foi esse mesmo período que fez mudar os hábitos nas pessoas da Guarda. Depois das obras esta Praça ficou literalmente deserta de pessoas, de conforto, de hábitos e rotinas. Deixou de ser apelativa para se estar e susfruir, transformada por vezes num palco de eventos que nada abona a favor dela mesma, nem dos que dela vivem. Ou seja, foi transformada numa peça de museu que não se pode tocar porque se pode estragar. A sugestão que posso dar é que lhe dêem vida. Que, para além de permitir estacionamento em certas partes da praça ou até condicionado no tempo se preferirem, promovam interesses permanentes de modo a recuperar os antigos hábitos de ir à Praça Velha. E para isso é preciso que haja olhos sobre a realidade do dia-a-dia deste espaço. O comércio apenas ocupa metade dos edifícios ali existentes. Os restantes estão em ruínas ou são camarários e sem utilização. Há que planificar e ter uma visão de futuro quando se olha para esta zona histórica. É o ex-libris da cidade, onde a Sé Catedral está isolada e desvalorizada por falta de enquadramento. Há que por os neurónios a trabalhar e aplicar ASAP as receitas adequadas. Mas falta algo mais importante ainda. As pessoas! Eu pergunto a todos os participantes desta e outras discussões que haja sobre este tema, quantas vezes por dia, por semana ou por mês vão à Praça Velha? Será que já foram visitar a Sé? Já visitaram a Judiaria? Usufruem das esplanadas que estão lá montadas todos os dias e que na maior parte do tempo estão às moscas? Será que conhecem o comércio e restauração ali existente e consomem os seus produtos regularmente? Isso é que é dar vida a um espaço. Se o estacionamento é uma condicionante real, penso que seja transversal a toda a cidade. Mas andar a pé também faz bem. E a Praça Velha fica ali tão perto!!
 
Rogério Reduto rogerioreduto@gmail.com
Comentário:
Para ser sincero não posso concordar com o senhor Luís Baptista Martins. Se é verdade que para os poucos comerciantes que restam no Centro Histórico, o fim da Praça Velha como parque de estacionamento e o deslocamento da Câmara Municipal para o antigo recinto do Mercado Municipal ditou a morte da zona antiga da cidade enquanto área de comércio tradicional e de serviços, também é verdade que essa não foi a principal causa desse empobrecimento urbano e social. Estacionamentos não faltam no centro da cidade e muito antes desta crise económica ter aparecido já os comerciantes se queixavam da pouca afluência por parte dos munícipes e avisavam para a então previsão de que o Centro Histórico estava a sucumbir. E é nesses, nos munícipes, tal como eu e a grande parte dos leitores deste jornal que recaem as responsabilidades… Seria de todo absurdo culpar um qualquer Plano Estratégico, que, por alguma razão, ficou na gaveta em plenos anos 80, do estado de abandono a que o Centro Histórico da Guarda chegou. O “bunker” de betão referido, até ao aparecimento das grandes superfícies comerciais nunca teve razões de queixa, muito menos pela sua localização… A anterior, onde hoje se encontra a Câmara Municipal, dista uns 100 metros da atual… Já a suburbanização foi geral, não foi só na cidade da Guarda mas em toda a Europa ocidental… Para os mais distraídos esse crescimento sem planeamento na Guarda não foi de todo prejudicial… No início do século anterior, aquando da construção da Guarda-Gare e do respetivo caminho de ferro (comboio), a cidade dividiu-se em dois polos (o centro e a estação) com uma “avenida” a uni-los e essa tão criticada suburbanização foi mais benéfica que prejudicial para existir uma união da dita malha na Cidade da Guarda… Ainda estou a tentar perceber a expressão: ” Quando regressamos à Praça é sempre de passagem.” Que outro centro histórico de qualquer outra cidade é frequentado por quem não esteja de passagem? Podemos sim criticar o facto de faltar comércio diversificado, ou da construção de um edifício megalómano e que pouco beneficia a cidade, passem a Loja do Cidadão para um espaço na Câmara Municipal, poupem uns milhares no aluguer daquele espaço e iremos ver se há algum beneficio daquele edifício na cidade … Mas isso não parece importar ao editor desta notícia… Só na Rua Direita existem duas pequenas mercearias e um talho, qual é o beneficio para estes casos da ideia que apresenta? Na realidade, os únicos comerciantes que ganhavam eram os cafés, tudo o resto era concorrência e parece-me a mim, desleal… Se quer «harmonia e sabor a tradição, hortaliça do Mondego, facas do Verdugal, cestos de Gonçalo, castanhas de Videmonte, batatas de Valhelhas, etc, e pessoas, muitas pessoas a vender e a comprar» vá ao “bunker”, por isso mesmo se denomina de Mercado MUNICIPAL, servindo o município e os seus munícipes… Resta-me dizer que é por “ideias” alvitradas como esta que nesta Cidade “cada um tem o que merece”…
 
Antonio O. Figueiredo aofigueiredo26@yahoo.com
Comentário:
Quem te viu antiga, fresca e Linda PRAÇA! Quem hoje te vê, triste e sozinha, pracinha! Isto é Arquitectura?? Seja pelas AlMAS —
 
Antonio Lopes antonio_lopes1@msn.com
Comentário:
Estou de acordo com esta ideia, oriundo da Guarda mas residente na Suíça há mais de 30 anos, na região de Lausanne onde desde há muito esse tipo de mercado tem lugar na Place de la Riponne, todos os sábados, o que dinamiza imenso o centro desta cidade, o mesmo acontecendo na pequena cidade de Renens onde vivo, e na qual em paralelo com o mercado há sempre actividades de carácter cultural diversificadas
 
Hugo asdaskdj@hotmail.com
Comentário:
É realmente triste ver a cidade assim. Quem a viu e quem a vê. Enfim, é o resultado de anos e anos de desgoverno pelos que se dizem politicos mas que não passam de fanfarrões e oportunistas que querem subir na vida às custas da chamada “política”. É triste mas é verdade, tive de abandonar a minha cidade há alguns anos pois não havia emprego e recentemente tive de abandonar o meu país, pois a Guarda não é mais do que um espelho do país daqui a uns anos. Sinceramente não sei o que pode ser feito para a dinamização da Guarda, mas também não a mim que me pagam para isso. Eu faço o meu trabalho e os Srs. políticos que façam o deles…
 
Salette Marques salettemarques@sapo.pt
Comentário:
Tenho a mesma opinião! Já tinha comentado este mesmo assunto com vários amigos e também com um candidato à presidência da Câmara. O problema da Praça Velha não é o pavimento, a ausência de estacionamento, mas sim a perda de actividade comercial do centro. À medida que o núcleo urbano se expandiu, se desenvolveram várias formas de comércio e a mobilidade aumentou, a convergência de práticas sociais e de pessoas no centro diminuiu. Multiplicaram-se as centralidades e esvaziou-se não só a Praça, mas todas as ruas adjacentes e o próprio centro. É preocupante a inércia da Câmara Municipal na transformação da “filosofia da Praça”, e esta atitude acaba por criar desânimo, e provocar falta de auto-estima à população. No ex-líbris da cidade, visitado e recordado por todos, o cenário é de desertificação e degradação geral dos edifícios. Os cidadãos exigem, com legitimidade, uma requalificação do ambiente urbano da Praça Velha e é urgente dar-lhes resposta. A sua revalorização passa por lhe dar novamente um sentido de lugar de mercado, cuja função principal seria o abastecimento da população de géneros de primeira necessidade. Este conceito, fundamenta-se na análise das relações entre os lugares de mercado e a história urbana, na importância que tiveram na consolidação e crescimento das grandes cidades, na vida social na cidade contemporânea, na relação entre economia e cultura, comércio e cidade e sobretudo, nas minhas reflexões, imagens-desejo de uma Guarda ideal. Os mercados são emblemáticos pelo forte carácter social, pela concentração de actividades e diversidade social, pelo atractivo para os visitantes, e constituem “espaços âncora”. Qualquer acção de requalificação do centro, para inverter o actual panorama de degradação e desertificação tem, na minha opinião, que prever um mercado. Atendendo à localização estratégica da Praça Velha, e aos fluxos que iria gerar esse “equipamento comercial”, seria inequívoca e notória a terciarização da zona envolvente, com a instalação e dinamização de estabelecimentos, o aparecimento de novos nichos de mercadoe de novas dinâmicas económicas e sociais em toda a área de influência. Esta intervenção seria uma “imagem de marca” da cidade que geraria efeitos de atracção e fixação de pessoas, ocupando edifícios devolutos em toda a envolvente, constituindo um ponto de partida para uma requalificação verdadeiramente sustentada do Centro Histórico. Claro que esta ideia terá que ser objecto de análise e estudo aprofundados. As características do edificado envolvente da Praça são um dos factores básicos de viabilidade, pelo que deveria estudar-se um modelo de mercado adequado aos edifícios existentes, funcionando com diferentes tipologias, mas como unidades integradas numa gestão global. Acolher na Praça uma estrutura amovível de venda, ao ar livre, com predominância de produtos frescos e regionais, é apenas uma das vertentes a contemplar. Nos edifícios envolventes, deveriam também instalar-se postos de venda tais como peixarias, talhos, charcutarias e outros que viabilizem um autêntico conceito de mercado. No quarteirão Nascente da Praça, do lado da antiga Câmara, preservando as fachadas e as volumetrias dos edifícios, a intervenção deveria estender-se ao interior dos logradouros abandonados, transformando-os num espaço de utilização pública, valorizando os poços que aí existem, enquadrando-os em espaços verdes, criando atalhos urbanos com a Rua da Torre e a Rua Sacadura Cabral e articulando-se num sistema muito semelhante ao dos centros comerciais. Dois dos edifícios abandonados, que me parecem importantes nesta intervenção, são o antigo stand de automóveis da Lúcio Romão, Herdeiros, ao cimo da Rua 31 de Janeiro e a antiga oficina de automóveis atrás dos Balcões. Os dois, têm uma área de implantação com cerca de 1.000m2, e poderiam albergar infra-estruturas de apoio ao mercado para cargas e descargas, estacionamento, armazenagem, e distribuição das mercadorias. Numa intervenção com esta dimensão, o planeamento e a implementação terá que ser da autarquia, dado que só assim se pode assegurar a salvaguarda do património e integração da acção num instrumento financeiro que apoie a intervenção. O desafio é ambicioso, pois para além das obras nos edifícios, implica considerar outras vertentes como acessibilidade, organização, gestão e definição das entidades a envolver. Não tenho qualquer dúvida que a ideia tem fácil aceitação nos comerciantes da Praça e da zona envolvente, nos comerciantes do mercado municipal e na população em geral. Acima de tudo,seria uma intervenção com custos seguramente inferiores aos custos da não intervenção, pois a degradação e abandono são evidentes e podem tornar-se irreversíveis, com efeitos desastrosos em todo o tecido urbano envolvente. O actual mercado, no Bonfim, não tem atractividade comercial, está degradado, o comércio de carne, peixe e outros é pouco expressivo, levando a população a procurar alternativas em centros comerciais. Para além da zona destinada aos produtores locais, todo o restante espaço está praticamente vazio. A manter-se tal como está, não irá sobreviver muito mais tempo. A autarquia, transferindo o mercado para a Praça Velha, faria um “dois em um”. Demolia o mercado municipal e instalava ali o mercado /feira de realização quinzenal. A actividade comercial da feira instalada neste local mais central e melhor exposto, teria maior dinamismo económico e uma posição relevante na vida da cidade. Diz-se que quando alguém chega de novo a um trabalho vem com a força toda. No inicio empenha-se, esforça-se, desenvolve, mas nem sempre da forma mais planeada e mais eficiente. Este projecto pode ser um desafio fascinante, para o novo executivo da Câmara Municipal.
 

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