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A Praça é Velha

Já foi o coração da cidade, o pulsar do concelho, mas, de intervenção em intervenção, foi perdendo vitalidade e capacidade de atracção. Um olhar sobre o definhar daquele que foi o mais importante espaço público da Guarda desde o período medieval até ao advento do séc. XXI

Era simplesmente a Praça. Depois passou a ser conhecida por Praça do Mercado e assim foi designada até à inauguração da nova Praça do Mercado (onde actualmente se localiza a Câmara Municipal), no início do séc. XX. Passou então a ser conhecida como “Praça Velha”, mas continuava a ser o centro nevrálgico da cidade, só passara a “Velha” por antinomia com a nova a praça…

Nesse tempo, os bancos metálicos e de madeira estavam sempre ocupados no repouso dos homens e mulheres que se deslocavam ao largo para comprar, vender ou “tratar de papéis” e descansavam à sombra das árvores que refrescavam a Praça no Verão e amenizavam o frio e travavam o vento no Inverno. Era um espaço cheio de vida, com um coreto no meio, que permitia a centralização da animação e lazer da cidade.

Em 1880, no contexto das comemorações dos 300 anos da morte de Luís de Camões, o largo ganhou finalmente toponímia oficial: Praça Luís de Camões. Porém, a designação de Praça Velha resistiu, mas porventura só com a chegada do séc. XXI o adjectivo passou a ser verdadeiramente a expressão da realidade e da interpretação sobre o estado da praça.

A intervenção definida pelo arquitecto Camilo Cortesão, e implementada no âmbito do programa Polis, com um conjunto de patamares ou balcões e um pavimento em granito liso, sofreu várias opiniões críticas pela forma como alterava o espaço e o ambiente, mas foi a pedonalização efectiva da praça e a proibição do estacionamento que provocou um autêntico abandono do largo. Nem a requalificação realizada nos anos 50 do século passado, com a retirada do coreto do local onde foi erguida a estátua de D. Sancho I, e o corte das árvores, que deram lugar a um espaço aberto, gradualmente ocupado pelo automóvel, suscitaram tanto desagrado e consequências tão funestas na vida da praça. De resto, as dúvidas sobre o sucesso da intervenção são perceptíveis na sensação de obra inacabada, já que, à margem do projecto, foram colocadas umas floreiras para cortar os ângulos e a verticalidade dos balcões, solução arquitectonicamente incoerente e esteticamente discutível. Depois, e para contrariar a “invasão” dos carros, foi colocada uma estrutura metálica de gosto duvidoso – mais um enxerto no projecto (pelo meio, ainda ali foram colocadas umas manilhas de má memória). As tampas das caixas de cabos e fios eléctricos, porventura tecnicamente mal definidas, vão partindo e ganhando um aspecto desolador. Como se isto fosse pouco, e depois de todas as “peças” inseridas e não previstas, a autarquia coloca grades vermelhas separadoras para os carros e que, de uma vez por todas, enfeiam o espaço.

Mas o mais importante e lamentável é o facto daquele que foi durante séculos o centro nevrálgico da cidade e do concelho ser hoje uma caricatura morta do passado. O comércio definha, as casas estão abandonadas, algumas em estado avançado de degradação e nem a vida nocturna já é segura naquela zona da cidade… Com um turismo débil e um comércio moribundo, sem serviços, nem capacidade de atracção, a Praça Velha está cada vez mais velha. Ouvimos os comerciantes – se bem que, estranhamente, a maioria não aceitou defender publicamente a sua opinião. E os seus interesses! – o seu lamento e incapacidade de dar a volta a um destino prenunciado e para o qual a eliminação do estacionamento automóvel não pode ser o único argumento.

Pensão Central

Hoje tem, no rés-do-chão, o “Ribeirinha Bar”, um dos espaços de animação do centro da cidade (à noite, mas também durante o dia), mas os tempos de grande frenesim no edifício aconteceram na primeira metade do séc. XX, quando ali funcionava a Pensão Central (ocupava as duas casas). No primeiro andar funcionou durante muito tempo a sede da Cruz Vermelha, que entretanto se mudou. Os dois andares estão devolutos – arrendam-se. A segunda casa da antiga pensão está desocupada.

Mercearia Romão

À esquina da Rua da Torre existia a velha mercearia Romão, que depois de vários anos com a tabuleta “trespassa-se”, acabou por encerrar há meia dúzia de anos. Encontra-se num lastimável estado de conservação e as montras sujas servem como suportes de cartazes publicitários. Nos pisos superiores, como acontecia noutros edifícios da Praça, funcionaram vários consultórios médicos e de advogados. Os profissionais partiram, ficaram as tabuletas…

Casa da família Patrício

Propriedade de uma das famílias mais prestigiadas da Guarda (de que faz parte, nomeadamente, Teresa Patrício Gouveia, ex-ministra da Cultura e dos Negócios Estrangeiros) leva dezenas de anos abandonada. Está em estado de degradação contínua. Está à venda há cerca de cinco anos, por um valor da ordem dos de 400 mil euros.

Antiga agência bancária

O primeiro andar acolheu, durante muitos anos, os serviços administrativos do município. No rés-do-chão funcionava a agência do Banco Espírito Santo, que, por coincidência, abandonou a praça quando esta estava em obras. O edifício foi adquirido pelo empresário Joaquim Rito e, entretanto, encontra-se abandonado e em avançado estado de degradação.

Paços do Concelho

Edifício manuelino, de granito, com arcadas assentes em pilares, que albergou a Câmara da Guarda e outros serviços públicos (inclusive, a cadeia), o antigo edifício dos Paços do Concelho foi reabilitado (recuperação integral do interior e colocação de dois excepcionais painéis de azulejos de Manuel Cargaleiro) acolhendo a Mediateca Oitavo Centenário em 1999, a propósito das comemorações dos 800 anos do foral da Guarda. Menos de dez anos depois, a Mediateca encerrou. O Posto de Turismo, no rés-do-chão, foi agora também transferido para outra casa da Praça. O edifício está assim completamente devoluto (aguarda-se decisão sobre o projecto de instalação da “Casa da Memória”).

A Brasigal

Frontal à Rua do Comércio e cimeira à Rua Direita, esta casa sempre teve uma localização privilegiada e, por isso, o comércio foi sempre a sua ocupação. Aqui funcionou durante muito tempo a “Mercearia” e, nos tempos mais recentes, a roupa tomou conta do espaço: o pronto-a-vestir “A Brasigal”, numa das lojas, e a “Metro” ao lado – ambas encerraram entretanto e hoje estão desocupadas, abandonadas.

A esplanada

A “Leitaria Camões” é um dos dois cafés e esplanadas que ocupam as arcadas. Foi perdendo clientela e está para trespasse – antes do Verão eram pedidos mais de 60 mil euros pelos direitos comerciais, o valor do trespasse foi descendo e, agora, os proprietários ficariam satisfeitos se conseguissem quem lhes pagasse metade, mas nem o baixo valor da renda (62 euros por mês) atrai interessados. Ao lado, ainda funciona a sapataria “Topin”, que também está para trespasse há bastante tempo, mas também neste caso o baixo valor da renda (70 euros) não chega para animar investidores.

O CAT

O funcionamento na Praça Velha do Centro de Atendimento a Toxicodependentes é para muitos comerciantes, a seguir à falta de estacionamento, o grande problema da zona. O movimento de pacientes, de toxicodependentes e, especialmente, o deprimente “espectáculo” diário de detidos algemados a deslocarem-se em viaturas celulares para o CAT para fazerem tratamento, provocam um anátema, uma imagem negativa e um ambiente constrangedor aos transeuntes e penalizam a atracção de clientes.

O Solar do Póvoas

Adquirido pela autarquia há meia dúzia de anos, para ali instalar o Cibercentro, aquele que é um dos solares mais bonitos da cidade é dos poucos edifícios integralmente ocupados e onde funcionam diversos serviços que ainda vão atraindo pessoas à praça, a que se junta agora o novo Posto de Turismo. Ainda assim, e curiosamente, o serviço do próprio Cibercentro recebe cada vez menos pessoas e a sua continuação já não se justifica. Estranhamente, nas varandas do edifício estão colocadas lonas promocionais do Cibercentro e da Localvisão que contrariam o regulamento de publicidade exterior do centro histórico e desfiguram a fachada do solar.

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Enquanto comerciante, acha que a Praça Velha é actualmente um espaço atractivo?

Eunice Santos

Tabacaria da Sé

«Não. Esta zona tem vindo a ficar cada vez mais deserta desde as obras de intervenção e da retirada do estacionamento. As pessoas não vêm. Não há clientes e, naturalmente, as lojas vão fechando. Com este modelo, sem estacionamento nos arredores da Praça, é impossível que este espaço seja atractivo. Hoje em dia as pessoas estão muito dependentes do carro e na Guarda mais ainda, por não termos um clima muito propício a que andem a pé».

António Pina Neto

Cervejaria Arcada Café

«Não é. Este projecto na Praça foi mal executado. Tem vários problemas. Não proporciona a mobilidade desejada, as caixas da EDP, esgotos e água estão todas partidas e até as floreiras ficam cá mal. Outra questão é a do estacionamento, que andam a prometer há anos. Não vem mais gente porque não há onde estacionar. No caso dos turistas, devia haver lugares para os autocarros junto à zona histórica».

João Maio

Sapataria Guedes

«A Praça Velha está “mortíssima”. A questão da falta de estacionamento é o principal problema. É pena que não se tenha feito um aquando da intervenção realizada há uns anos. Este problema, aliado à crise, está a dar cabo desta zona. A criação de um estacionamento subterrâneo ajudaria. As pessoas não vêm e as lojas vão fechando. E isso faz com que, a pouco e pouco, haja ainda menos pessoas a virem cá».

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Fotos: Jorge Pena

Luis Baptista-Martins

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