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A Ponte e os outros

A 5 de novembro de 1962, um tempinho antes de eu nascer, começaram a construí-la e tinha eu apenas 39 mesitos já estava pronta!

Faz hoje, dia 6 de agosto, precisamente 48 anos que a quinta maior ponte suspensa do mundo, e a maior delas fora dos Estados Unidos, era inaugurada em Portugal!

Grandioso feito, só comparável à minha astucia nos parágrafos anteriores de criar a subliminar imagem de que aqui o rapaz é muito mais novo do que é na realidade.

Neste seu 48º aniversário, a Ponte ocupa já o 20º lugar entre as Pontes Suspensas do Mundo, ainda assim ela desanda no ranking a um ritmo mais lento do que eu ando na idade.

Porém, há uma constância em mim que não se aplica à Ponte, refiro-me ao nome. Eu nasci Júlio Salvador e ela Ponte sobre o Tejo. Quando fui batizado mantiveram-me o nome resolvido desde que no dia seguinte ao do meu nascimento o meu pai botou os pés na Conservatória e o ditou ao escrivão. Com a Ponte não foi assim, no solene ato de inauguração o nome com que nasceu foi mudado para Ponte Salazar, ainda que mantendo a mesma designação legal com que nasceu.

Ainda com a tenra idade de onze anos, eis que, mantendo eu o nome a ela lho mudam novamente, seria porventura pequeno o maior rio da Ibérica Península. Seria, quiçá, de pequena estatura o homem que, ao lado de Cerejeira, a apadrinhou. Desta vez deram-lhe o nome de um dia. Ponte 25 de Abril, assim ficou e se mantém entre concórdias e discórdias, infinitamente mais soberana e de férrea vontade do que os que levianamente lhe mudam o nome. Ela quer lá saber deles!

Por mais que não goste do político, tenho de admirar o homem e as suas envergonhadas fraquezas às escondidas, uma delas, segundo diz a história, tem a ver com o nome da Ponte. Salazar ter-se-á mostrado publicamente avesso ao seu nome para batismo da Ponte, adivinhando problemas com o mesmo quando um dia a perna da cadeira se quebrasse e arrastasse consigo o regime e, no entanto, na reserva do seu gabinete perguntava a Arantes e Oliveira, ministro das Obras Públicas, se as letras do pilar junto à Avenida da Índia eram chumbadas e soldadas à estrutura ou apenas aparafusadas de tal forma que alguém pudesse facilmente roubá-las.

Deixa-me algumas saudades esta envergonhada vaidade de um governante. Estes de agora retiraram-lhe as letras metálicas apesar de chumbadas no sólido pilar, mas não são capazes de lhe copiar a vergonha. Nem são capazes de cumprir prazos e orçamentos. A Ponte foi construída seis meses antes do previsto, os 2 milhões e duzentos mil contos de reis pagos a bancos americanos, a juros de 5%, foram conforme o estipulado no Orçamento de Estado, ou para ser mais exato, a obra viria até a custar um pouco menos, 2 milhões e cento e quarenta e cinto mil contos.

Tivessem copiado isso ao homem e deixado o nome esquecido no pilar e a Ponte sobre o Tejo ligaria hoje duas cidades florescentes fazendo negócio com Bancos Portugueses não falidos.

Mas não! Estes não aprendem, continuam a mudar o nome às coisas e julgam que mudam o mundo. A Ponte não ficou mais nova mudando-lhe o nome e o Novo banco também não ficará mais sólido por se lhe fazer um batismo.

Desavergonhados!

Por: Júlio Salvador

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