Arquivo

A polémica escolha do terreno para o novo hospital

Numa primeira fase o tema em discussão passou pela troca na ordem das palavras, tendo ficado provado que, ao contrário de algumas operações aritméticas, a ordem não era arbitrária e falar de “Hospital Novo” ou “Novo Hospital” não era a mesma coisa. Não era na realidade.

Numa segunda fase, a Sra. Presidente da Câmara responde ao desafio e oferece o terreno para o “Hospital Novo” – ou teria sido para o “Novo Hospital”? -, já me confundo.

Numa terceira fase, o Sr. Ministro da Saúde agradece a gentil oferta da nossa e a de outras Câmaras Municipais, como se as autarquias não tivessem outros investimentos a fazer. Num período que será conhecido como a “gestão caseira à moda portuguesa dos anos sessenta” da Dra. Manuela Ferreira Leite, estas ofertas agradaram ao Governo.

Numa quarta fase, a Câmara Municipal da Guarda estudou, avaliou e escolheu. Sempre em segredo absoluto e sem qualquer consulta pública ou debate, a bem da isenção e numa luta sem tréguas contra a especulação. Se bem percebi, a Câmara tinha um terreno, mas ofereceu vários. Tanto tempo para escolher e depois oferece o que não lhe pertence. Numa época em que as autarquias não se podem endividar, mas oferecem-se terrenos que têm de ser comprados e eventualmente alvo de especulação. Não adiantou nada tanto secretismo.

Na quinta fase, coube a um Grupo de Missão (gosto deste nome, porque me lembra os missionários de pés descalços, sacrificados…mas, afinal, já me disseram que são “técnicos”, fiquei mais descansado, como calculam) a ingrata tarefa que é escolher um entre vários. Não imagino quantos outros técnicos foram consultados, entre engenheiros, arquitectos, médicos, enfermeiros, administradores hospitalares, psicólogos, sociólogos, técnicos de aeronáutica, responsáveis do INEM, bombeiros, povo anónimo e muitos outros, o que é um facto é que para azar da Câmara Municipal, e de todos nós, a escolha recaiu num terreno que fica próximo do actual Hospital, do Centro de Saúde, da Escola Superior de Enfermagem, do Estabelecimento Prisional, e ainda dentro da cidade, bem no alto. “Economia de escala”, dizem os técnicos. Esqueceram-se de muitos outros factos ou pormenores. Esqueceram-se que a autarquia, tal como as crianças que oferecem ao adulto o chocolate, mas no momento exacto se arrependem e esperam que o referido adulto não coma, não estava à espera que o Grupo de Missão escolhesse aquele terreno. Será então altura de perguntar à Câmara Municipal da Guarda o que fazia aquele terreno no lote que foi oferecido e que, azar dos azares, foi seleccionado.

Na sexta fase, após a selecção, vem o debate público e os abaixo-assinados. Veio tarde, agora já não interessa discutir. O Grupo de Missão, tal como qualquer outro grupo que tem uma missão para cumprir, fez a escolha e está feita, ponto final. A discussão e os abaixo-assinados deviam ter sido prévios e não a posteriori.

Até a Assembleia Municipal reuniu e debateu o tema e mais uma vez se esqueceram de questionar a razão pela qual o terreno do Torrão apareceu no lote dos eleitos pela autarquia. Por outro lado, foi igualmente sugerido o terreno na cerca do Sanatório, fácil e barato. Solução brilhante, provavelmente vinda das mesmas mentes que têm desenhado ou aprovado bairros na cidade sem espaços, com as ruas e passeios estreitos e acessos inqualificáveis. Agora que não se fala em reconstruir, mas sim em construir de novo, deixem uma das poucas zonas (ainda) verdes da cidade em paz.

A sétima fase será aquela em que a Câmara Municipal vai desviar capital de outros investimentos para adquirir os terrenos e deixar que o Hospital seja construído por um outro Grupo de Missão, composto por técnicos que de tudo percebem e, mais uma vez, não vão pedir a opinião a ninguém. Finalmente em 2007, 2009 ou 2011 teremos um novo Hospital (esta coisa de cumprir prazos só no futebol). Resta saber se os profissionais que trabalham no velho Sanatório estarão interessados em esperar tanto tempo. Por favor, senhores políticos, não percam mais tempo, façam como Deus e descansem ao sétimo dia. Assumam as responsabilidades e arranquem para outra discussão.

P.S.: Por motivos profissionais não me foi possível estar presente na reunião da Assembleia Municipal de dia 17 de Novembro de 2003, motivo pelo qual sinto necessidade de tornar pública a minha opinião.

Por: João Santiago Correia*

* Médico

Sobre o autor

Leave a Reply