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A pia da água

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A história da pia da água ou como os reguladores mínimos não funcionam e, portanto, os maiores ficam sempre impunes.

A pia de lavar as mãos devia estar em todas as salas onde se tratam ou observam doentes, sobretudo num pais onde o aperto de mão é cordial e pode vir depois de coçar o nariz, arregaçar o prepúcio, ou limpar o rabo. Não temos esta capacidade crítica de recusar o cumprimento dizendo “desculpe, não lavei as mãos”. Então, apertamos e deixamos no outro um pouco da nossa intimidade.

A pia da água foi pedida para a sala de atendimento cirúrgico na urgência dos Covões em 2006, depois em 2008, depois em 2010 e, por fim, em 2012. Recebi deselegâncias, silêncios cúmplices, falta de fiscalização. A sala foi sonhada para bloco operatório com todos os seus apetrechos – meio milhão de euros em funcionalidades. A sala foi sonhada mas nunca viu cumprir o seu desiderato. Tinha ventilador de topo que ali dormiu sem função uns quatro anos. Protestei tanto, que o levaram.

Ali se atendem em grupo, à molhada ou um a um, os doentes que vão tendo triagem cirúrgica. Ali se fazem pensos sujos, pequenas cirurgias e drenagens de abcessos e também consultas. É um pouco estranho usar um bloco operatório, que nunca o foi, como sala de consultas. Pedi uma janela para fazer entrar ar fresco. Zombaram, caçoaram, divertiram-se. Uma janela num bloco operatório! Mas ele nunca serviu a missão – disse. Repeti-me e nunca obtive sucesso. Pedi a pia da água para lavar as mãos. Entre pensos empurramos a cortina, abrimos a porta e deixamos o rasto sujo por todos aqueles sítios até encontrar a pia num corredor, frequentemente atrás de uma maca, que empurramos também. Higiene da mais pura! Em 2010 levei este assunto quase a conflito, elevando o grau de exigência. Escrevi tratados, enviei cartas, notas, emails. Repare-se que falamos de dez anos de imunda prática, numa instituição que queria ser de topo. Eu protestei, falei, tentei a razão, tentei o insulto, fui até exagerado e depois descobri o conforto do silêncio. Apaguei-me entre Baumanis, Estafilococos e Pseudomonas. Tratam-me de abraço, eles chama-me por tu e eu deixei de querer eliminar estes biltres. Estico a mão e cumprimento. Toma lá mais um Estreptococo. Aos que não gosto aperto com mais força. Aos amigos vou de beijo e alguns estranham. A pia da água era uma necessidade que em dez anos teria trazido milhares de atos higiénicos. Para quem não a vê nem tem importância, mas na sofisticação da Medicina moderna era uma intransigência. Os reguladores não fizeram nada. Os diretores sucederam-se, os chefes passaram e eu, ao longo dos dez anos, fui empurrando a cortina, abrindo a porta e empurrando a maca até chegar à pia. Vi doentes, cumprimentei alguns e fartei-me da pia, fartei-me da janela e cansei de tanta gente vã que arrastou este gesto de pecado. O regulador, o tipo que lidera, tem de exercer a sua função a bem da comunidade. Por tudo isto temos BES, BPN e PT. A substituição das chefias devia ser obrigatória onde elas não se aprumam. A pia da água na sala de atendimento cirúrgico dos Covões mostra como esta instituição não precisou de mais ninguém para ir perdendo qualidade e morrer nos braços da mãe. A Pietá.

Já agora deixem-me terminar com uma exclamação do norte – fod…! Estou tão cansado!

Por: Diogo Cabrita

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