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A nova revolução francesa

2017 não é 1789, a passagem de Emmanuel Macron e Marine Le Pen à segunda volta das presidenciais gaulesas não equivale à tomada da Bastilha, nem a “débâcle” do “centrão” gaulês é historicamente comparável ao fim do absolutismo monárquico. Mas os resultados da primeira volta presidencial confirmam uma revolução – no sentido de “mudança completa” – do quadro político vigente em França desde que De Gaulle inaugurou a V República, há quase 60 anos.

Pela primeira vez a disputa final na corrida ao Eliseu será feita por dois candidatos não oriundos dos dois partidos tradicionais, de centro-esquerda e centro-direita. Já tinha acontecido um ser eliminado, mas nunca ambos em simultâneo. A clivagem esquerda-direita, historicamente central na política francesa, foi superada e substituída por uma nova dicotomia: o liberalismo europeísta e multilateralista de Macron em confronto com o nacionalismo soberanista e protecionista de Le Pen.

Por outro lado, o bipartidarismo (PS francês e Os Republicanos, ou antes a UMP) deu aparentemente lugar a um tetra-partidarismo composto pela extrema-esquerda (França Insubmissa de Mélenchon, o candidato mais votado pelos jovens), o centro indistinto de Macron, o centro-direita conservador d’Os Republicanos (que o gaulista Fillon deslocou excessivamente para a direita) e a extrema-direita da Frente Nacional liderada por Le Pen. Com os 6% alcançados pelo candidato socialista Benoît Hamon, o PS francês sofreu na pele os efeitos da pesarosa presidência de François Hollande – o primeiro presidente em funções a não se recandidatar – e a punição por décadas de indiferenciação face ao centro-direita. Hamon e Fillon também terão sido penalizados pela radicalização de posições, com o eleitorado a preferir os originais (Mélenchon e Le Pen, respetivamente) às cópias.

Curiosamente foi o liberal ex-primeiro-ministro socialista Manuel Valls, candidato derrotado nas primárias socialistas conquistadas por Hamon, em representação da ala esquerda do partido, quem melhor resumiu a hecatombe do PS francês: «Não fizemos o nosso trabalho (…) sobre o que é a esquerda e pagámos o preço». Daqui até às legislativas de junho, os socialistas vão navegar contra o vento para minimizar estragos e salvaguardar uma representação mínima na Assembleia Nacional, mas a ameaça de “pasokização” está no horizonte. Também difícil, embora menos dantesco, é o cenário que se apresenta aos conservadores, ainda favoritos a vencer as eleições parlamentares mas com o sentido de urgência de conter o muito provável reforço da posição da FN no Parlamento.

Tudo indica que Macron vai vencer a segunda volta de 7 de maio, até pela confirmada reedição da Frente Republicana já ensaiada em 2002 para derrotar o pai Le Pen. Mas como o movimento “Em Marcha” do antigo ministro da Economia de Hollande e Valls dificilmente conseguirá um grande resultado nas legislativas, Macron terá sempre de governar em coabitação, seja com socialistas seja com conservadores. Governação que se voltar a não produzir resultados económicos e securitários pode implicar a morte de um centro que, para já, sobreviveu ao projeto de longo prazo de Le Pen.

Por: David Santiago

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