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A nova lei das autarquias

Razão e Região

1. Foi aprovada, na generalidade, pela Assembleia da República a nova Lei das Autarquias Locais, com os votos do PS e do PSD. Trata-se de uma reforma de grande alcance porque envolve o sistema de governo autárquico, provocando, já a partir de 2009, grandes alterações no panorama político do poder local.

Em que consistem, no essencial, as alterações (ver texto em www.parlamento.pt)? Por um lado, numa maior presidencialização do sistema de governo, por outro, num reforço dos poderes da Assembleia Municipal.

A primeira grande alteração reside no fim da eleição directa do Executivo, que passa a ser de livre escolha do Presidente da Câmara, embora com duas condicionantes: 1. os membros da vereação são obrigatoriamente recrutados no interior da Assembleia; 2. a oposição continua a manter o direito de presença no Executivo, de acordo com o método de Hondt. Com efeito, a formação política vencedora passará a ter direito a uma maioria absoluta de vereadores, previamente definida por lei (no caso do Município da Guarda, a minoria terá direito a 2 vereadores). Só a Assembleia Municipal será eleita directamente, sendo o cabeça de lista da formação vencedora o Presidente da Câmara. Por outro lado, a Assembleia Municipal pode rejeitar o Executivo através de «moções de rejeição», quando este for apresentado à Assembleia Municipal.

Outra das novidades consiste na eliminação do direito de voto dos Presidentes de Junta, que continuam a integrar a Assembleia, em duas matérias essenciais: nas moções de rejeição do Executivo e no Plano e Orçamento. Aqui só os deputados eleitos directamente poderão votar.

Estas as alterações fundamentais à Lei eleitoral autárquica.

2. Que reflexões me merecem estas alterações?

Em primeiro lugar, considero que, globalmente, esta lei vem melhorar o sistema de governo autárquico. Por um lado, reforça as capacidades do órgão deliberativo e, por outro, reforça a governabilidade das autarquias. Do ponto de vista do órgão deliberativo, estas alterações vêm aumentar a responsabilidade do candidato a Presidente da Câmara (e, naturalmente, dos partidos) na elaboração da lista para a Assembleia Municipal. Com efeito, é de lá que sairá a futura vereação e, por isso, ela deve integrar um conjunto vasto de personalidades com perfil para o desempenho de funções executivas. Por outro lado, o nível de confiança política nos deputados deverá ser mais elevado, uma vez que o Executivo poderá vir a ser rejeitado por uma maioria de três quintos de deputados, o que não acontecia até aqui. Acresce que o papel dos deputados eleitos directamente se torna mais delicado, uma vez que em duas matérias essenciais só o seu voto conta. Portanto, fonte de recrutamento de vereadores, efectivos e substitutos para eventuais remodelações, e base de apoio decisiva para as duas matérias centrais da confirmação do Executivo e da aprovação do Plano e do Orçamento, o conjunto dos deputados eleitos directamente assume na nova orgânica um relevo que antes não possuía. E este é um efeito induzido pela lei que merece ser realçado do ponto de vista estritamente político. A formação da lista para a Assembleia Municipal exige, pois, um trabalho político que será decisivo durante todo o mandato. Uma exigência que se vem juntar à responsabilidade do Presidente da Câmara na gestão da formação do Executivo e nas eventuais remodelações.

Por outro lado, põe-se a espinhosa questão dos direitos dos Presidentes de Junta na Assembleia. Eu creio que a nova configuração se deve a uma ponderação histórica e sistémica do legislador. O nosso sistema de poder autárquico foi pensado para um período em que se tornava necessário integrar institucionalmente as sensibilidades políticas disponíveis a nível local, por razões de coesão, ao mesmo tempo que era necessário acelerar e alargar a aprendizagem política de vastos sectores sociais até aí arredados da gestão da coisa pública. Isto justificaria a integração da oposição no interior dos Executivos e justificaria também a duplicação de funções institucionais em agentes políticos que precisavam de conhecer o sistema por dentro. Ora, com o amadurecimento do sistema democrático este esforço integrativo teria deixado, para o legislador, de fazer sentido e, por isso, haveria que aproximar o sistema de poder local do sistema nacional. A coerência com este fio condutor deveria, pois, ter conduzido a soluções ainda mais radicais do que aquelas que se verificaram, quer no plano da constituição do Executivo quer no plano da constituição da própria Assembleia Municipal. Tal não viria a acontecer devido à necessidade de temperar a racionalidade com o pragmatismo político do compromisso interpartidário, constitucionalmente imperativo, nesta matéria. E assim se chegou a esta fórmula. Com vantagens, mas também com algumas imperfeições.

Por: João de Almeida Santos

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