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A mudança esperada

Editorial

1. Sem surpresa, o PSD ganhou as eleições de domingo e Pedro Passos Coelho será o próximo primeiro-ministro. Se alguma estranheza houve, foi a diferença para o Partido Socialista, que teve o pior resultado eleitoral dos últimos 25 anos. Como aqui escrevi na semana passada, em despedida ao ainda primeiro-ministro, «a história encarregar-se-á de reservar um lugar para José Sócrates, a que tem direito, porque entre 2005 e 2008 foi um excelente primeiro-ministro, que com o dealbar da crise perdeu o norte e não mais conseguiu acertar no rumo do país». E o país, depois das dúvidas vaticinadas pelas sondagens, foi muito claro: chumbou a governação socialista e varreu José Sócrates da política.

Portugal entra num novo ciclo político. A vitória expressiva de Passos Coelho permite-lhe formar governo com o CDS/PP sem ficar refém de Paulo Portas e promover as mudanças urgentes que o país precisa. Porém, a tarefa será hercúlea. Com as eleições quase nos esquecemos que o país chegou a um estado de quase bancarrota e que sem o dinheiro do FMI e da Europa já não teríamos capacidade de pagar aos fornecedores e aos credores – por isso, já pagámos taxas de juro de 12 por cento. Foi isto que Sócrates quis que os portugueses desvalorizassem e não entendessem falando do PEC IV e sacudindo a água do capote – a política da vitimização em vez do assumir de responsabilidades. Mas, afinal, à última hora, a maioria dos portugueses percebeu e, mais do que dar a vitória ao PSD e à direita, esconjurou um Sócrates que vivia num mundo virtual e distante das dificuldades dos portugueses e longe da falência do país. Se de 2005 a 2008 o governo socialista mereceu aplauso por ter posto um travão no défice e ter conseguido mesmo que ficasse abaixo do limite de três por cento imposto pelo Pacto de Estabilidade e Crescimento e tomou várias medidas positivas para o desenvolvimento do país, a ressaca da reação à crise internacional foi tão mal gerida a partir do “acampamento” de professores em Lisboa – o momento da viragem, o início das concessões corporativistas, o princípio do fim socrático, e o primeiro capítulo do drama da falência de Portugal.

2. Estas eleições foram também um momento de exorcização de um certo socialismo, de prepotência, de ignomínia, do vale tudo, cujo melhor exemplo foi a clamorosa derrota do PS no distrito da Guarda – o PS, de José Albano, que se afirmou pelo nepotismo e pela soberba, teve a maior derrota que o partido algum dia poderia esperar no pior dos pesadelos. De tal forma que aquilo que parecia um resultado “óbvio” de divisão de mandatos, acabou por ser uma derrota imprevisível e humilhante. E no concelho da Guarda a humilhação foi acentuada.

Em Portugal, como na Guarda, o PS não foi a votos. Quem esteve na campanha foi um Sócrates que já não era respeitado, nem querido. E foi um Paulo Campos, clone do secretário-geral, para pior, e um José Albano cujos valores e forma de estarem na política têm muito pouco a ver com o PS de Mário Soares ou Sampaio. Um PS que tem muito pouco a ver com o socialismo e menos ainda com os valores intrínsecos da esquerda: da liberdade à Democracia… Varra-se a tralha.

3. Enquanto o país se preparava para encerrar a campanha, na Guarda, quinta-feira à noite, pudemos viver um momento extraordinário de beleza, emoção e arte numa surpreendente recriação da ópera barroca Dido e Eneias, de Henry Purcell. O cenário fantasmagórico e exuberante de uma fábrica abandonada suspensa sobre água, espelho do caos de um mundo que se destrói, em vez dos palácios de Cartago impressionou, mas são os tormentos da paixão e do desejo que hipnotizaram os espetadores que, no TMG, fruíram a extravagância da interpretação do Theatre de Mezzaanine. O aparato cénico e teatral é surpreendente e a música é arrebatadora. Foi mais fácil refletir depois de uma ópera assim.

Luis Baptista-Martins

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