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A mudança

Editorial

Nos próximos dias tomarão posse as diferentes equipas vencedoras das últimas eleições autárquicas.

Para alguns concelhos será um momento de renovação na continuidade, com executivos a quem o respetivo eleitorado deu confiança para mais um mandato. Noutros concelhos mudam alguns rostos, chegam à liderança os “sucessores naturais” e a renovação é tranquila. Mas há concelhos na região onde as mudanças serão extraordinárias.

Se em Figueira de Castelo Rodrigo a surpreendente vitória do PS irá implicar alterações de vária índole, mas seguramente sem grandes sobressaltos, tal como em Manteigas, com o regresso natural de José Manuel Biscaia, o mesmo não se poderá dizer em concelhos como Trancoso, Guarda ou Covilhã.

Em Trancoso, depois de um domínio histórico do PSD, que venceu todas as eleições, desde 1976, e de uma liderança de Júlio Sarmento iniciada há 28 anos, o PS vai governar pela primeira vez nos próximos quatro anos. As expetativas são altas em relação às mudanças que Amílcar Salvador poderá protagonizar, mas precisa confirmá-las.

Na Covilhã, o regresso dos socialistas à Câmara é esperado com grande curiosidade, desde logo pela falta de maioria que obrigará a entendimentos ou mesmo a uma aliança, com a CDU ou com o independente Pedro Farromba (tudo indica que Vítor Pereira deverá governar com o apoio de José Pinto, vereador eleito pela CDU). Os covilhanenses ainda não se esqueceram da última vez que o PS governou o concelho, num mandato de Jorge Pombo que os socialistas nem querem recordar, mas hoje o concelho é muito diferente e desenhado à imagem das vontades e humores de Carlos Pinto e do sucesso da UBI. A cidade está em grande ebulição com a chegada do Data Center da PT e a ideia de que está na vanguarda das tecnologias, e com o miraculoso aparecimento de novos empregos, qualificados e bem pagos. Mas é na universidade que reside a raiz da metamorfose que começa a afirmar-se, numa cidade cada vez mais cosmopolita, que vê chegar gente de todo o lado, de Portugal e do mundo. É neste contexto que Vítor Pereira terá de liderar a afirmação da Covilhã como cidade de trabalho e ciência, da tradição têxtil às novas tecnologias, da liderança académica à reinvenção industrial. Tem grande parte do caminho trilhado e planificado para essa afirmação, mas terá muitas preocupações pela frente, a começar pela redução da enorme dívida da autarquia.

Na Guarda registou-se a mais relevante mudança de cor partidária na região, e mesmo uma das mais relevantes a nível nacional (tanto que na noite eleitoral foi o único concelho em que todas as televisões erraram na indicação de vencedor com base nas sondagens “à boca da urna” – inicialmente, após o fecho das urnas, todas apontaram o PS como provável vencedor, quando no terreno já se percebia que iria haver uma vitória estrondosa do PSD/CDS, o que evidencia que, mesmo no momento de votarem, os guardenses tiveram dúvidas e receios sobre o seu próprio voto e que muita gente só no derradeiro momento decidiu votar em Álvaro Amaro). E é precisamente pelo devir implícito nesse voto de mutação, nesse clamor pela mudança, nesse grito de “já chega”, que tantos sentiam e poucos expressavam, que, para além de uma grande esperança sobre o que poderá mudar, há uma grande vontade em querer participar na mudança. Álvaro Amaro não terá vida fácil a partir da próxima semana. Terá de cumprir com as suas propostas, mas terá essencialmente a difícil tarefa de cumprir com a esperança dos guardenses, que vai muito para além da vontade de quem foi eleito. O estado caótico a que a cidade chegou, a descrença, a falta de fé, a desmotivação, a angústia e a ansiedade com que todos esperam um redentor por entre a bruma espessa de uma cidade perdida no tempo, o tempo em que o executivo liderado por Joaquim Valente matou o futuro de pelo menos uma geração de guardenses, de que até os socialistas se envergonham. Uma cidade que voltou a ser, mutatis mutandis, como a do tempo de Unamuno, fria e cinzenta, onde os resilientes teimam em ficar e muitos têm de partir. Numa autarquia que deve mais de 50 milhões de euros, que vive na ilegalidade, entre o não cumprimento da Lei de Compromissos e a manutenção de empresas municipais a prestarem serviços que deviam estar enquadrados no normal funcionamento e controlo da Câmara, e onde o nervosismo e o medo toldam o normal funcionamento. Amaro não é um salvador. Nem terá essa pretensão. Mas a sua prioridade tem de ir muito para além de cortar as giestas que ocupam a PLIE ou da dança das cadeiras de apaniguados, tem de ter gestos magnificentes e de elevar a moral dos guardenses, tem de os fazer recuperar do estado de derrota e negação, tem de conseguir elevar a autoestima e de os fazer acreditar no futuro.

Luis Baptista-Martins

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