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«A Misericórdia precisava dos nossos saberes, conhecimentos e forma de gerir»

Cara a Cara – António Neto Freire

P – Dirigiu a comissão nomeada pelo Bispo da Guarda para gerir os destinos da instituição após a saída de Pedro Paiva. Porque decidiu candidatar-se à liderança da Santa Casa da Misericórdia da Covilhã?

R – Eu liderei essa comissão administrativa desde 5 de outubro do ano passado com uma equipa que agora se mantém nesta mesa administrativa. Fomos a eleições porque nesta reestruturação e nesta tentativa de inversão do défice mensal assumimos, enquanto comissão, uma série de compromissos, nomeadamente com os bancos que na altura avisaram que só assinariam os contratos com esta direção. As condições especiais que conseguimos de redução de juros só foi concretizada porque esta equipa se manteve. Portanto, não foi essencialmente por uma vontade própria, porque todos temos uma vida ainda muito ativa nas nossas empresas e nas nossas atividades, mas a verdade é que a Misericórdia precisava de nós, dos nossos saberes, conhecimentos e forma de gerir. Se ao fim dos três anos a Misericórdia já tiver uma sustentabilidade devida daremos lugar a outros que tenham até mais tempo do que nós para continuar esta obra que é ajudar os mais carenciados e desprotegidos.

P – Qual é a situação financeira da Misericórdia ?

R – Em outubro a situação era muito desequilibrada com 90 a 95 mil euros de défice mensal. Neste momento ainda não temos a balança totalmente equilibrada, mas teremos um défice entre os 5 e os 10 mil euros mensais. Como temos dado resposta aos nossos fornecedores? Pedindo à população e a todas as empresas da região, que têm contribuído e nos têm ajudado, razão pela qual mesmo com este défice ainda continuámos a funcionar e a ter as portas abertas. Pensamos conseguir num breve espaço de tempo, pelo menos, colocar a balança em que o prato dos custos e o das receitas estejam num ponto zero.

P – De quanto é a dívida?

R – A dívida, em termos de empréstimos e contas caucionadas, ronda os quatro milhões de euros. Em outubro, a Misericórdia devia a fornecedores 476 mil euros e neste momento esse valor é de 330 mil.

P – Está prevista a redução de pessoal?

R – Desde o primeiro minuto que eu e o grupo que lidero temos afirmado ter sido sempre nossa intenção evitar qualquer despedimento. Logo numa fase inicial despedimos o diretor-geral, que tinha um ordenado líquido de 2.500 euros, o que, perante os problemas que a Misericórdia tinha, não era justificável, até porque há duas valências com diretores, o lar e os infantários, pelo que entendemos, também numa perspetiva de redução de custos, fazer a extinção do posto de diretor-geral. Ainda nos recursos humanos, alguns já saíram por livre vontade porque arranjaram empregos noutros países e desde outubro que não admitimos ninguém, tirando os estágios. Temos aceite todos os estagiários que nos procuram dentro das valências que a Misericórdia tem, mas a verdade é que ainda não foi admitido nenhum funcionário que não fosse estagiário.

P – Quais as prioridades para este mandato?

R – A primeira prioridade é o que a comissão administrativa iniciou e vai continuar a fazer: sustentabilidade. É a primeira preocupação porque sem sustentabilidade não vale a pena pensar em mais nada. Depois da sustentabilidade vamos dirigir-nos às pessoas. É preciso renovar uma instituição que tem nos cadernos 1.200 a 1.300 pessoas inscritas, mas a verdade é que ativas ou vivas estão apenas cerca de 80 a 100. Enquanto comissão administrativa já admitimos cerca de 80 e a nossa intenção, depois da sustentabilidade, é admitir muito rapidamente mais de mil pessoas. Portanto, a segunda prioridade passa pelas pessoas, os irmãos, os funcionários, as pessoas desprotegidas e essa é a função para que a Misericórdia foi criada. Nessa área, quando chegámos estávamos a dar 43 refeições no nosso lar a carenciados e neste momento estamos perto das 200. Os alimentos que nos chegam não são suficientes neste momento, nem aqueles que são dados pelo Banco Alimentar nem os que nos são entregues pelo Estado. A própria Misericórdia criou neste último período, já com a comissão administrativa, um programa, o “Eu dou”, em que, de dois em dois ou de três em três meses, estamos nas grandes superfícies a pedir alimentos para compensar as faltas. Como terceira prioridade iremos pensar então na dívida. A intenção – como não pretendemos despedir e sabemos que temos cerca de 30 a 35 pessoas a mais para as nossas valências – é criar mais valências e arranjar sistemas de exploração de gestão mais adequados e mais rentáveis. Esses projetos são vistos num prazo que não sei agora precisar porque, primeiro, temos que atingir as duas prioridades anteriores. Só com ajuda e apoio dos quadros comunitários é que conseguiremos criar novas valências, que passam pela remodelação de alguns edifícios da Misericórdia, nomeadamente do antigo hospital e outros que estão vazios. Com isso será possível distribuir o pessoal de outra maneira e dar mais emprego, se possível, e mais sustentabilidade à Misericórdia.

P – Confirma-se que a gestão dos infantários “Bolinha de Neve”, na Covilhã, e “O Meu Cantinho”, no Teixoso, vai passar para a Misericórdia?

R – Sim, a Misericórdia foi contactada pela Segurança Social, que pretendia fechar o “Bolinha de Neve” porque não tem crianças. A Misericórdia, como serve para resolver e não para criar problemas, entregou à Segurança Social uma carta com essa intenção de que poderia aceitar esses dois infantários. Entendemos que a solução era boa e interessante para as duas entidades e aceitámos o “Bolinha de Neve” e “O Meu Cantinho”, passando de cerca de 180 meninos para muito próximo dos 400. Nesta mudança não houve quaisquer despedimentos. A Misericórdia ficou com as pessoas que tinham, mudámos só de edifício. Eu próprio falei com todos os pais das crianças do infantário 1 para manterem os seus filhos nos infantários da Misericórdia da Covilhã. Penso que não iremos perder nenhum menino, o que é fundamental, e vamos iniciar o próximo ano no dia 2 de setembro com a abertura dos três infantários.

Perfil:

António Neto Freire

Novo provedor da Santa Casa da Misericórdia da Covilhã

Idade: 56 anos

Profissão: Arquiteto, engenheiro e empresário

Naturalidade: Covilhã

Currículo: Doutorado em Arquitetura; É presidente do Aeroclube da Covilhã; Foi diretor-geral da Turistrela; diretor-geral dos Serviços Técnicos da Universidade da Beira Interior; Tem uma empresa de construção civil e um gabinete de projetos de engenharia e de arquitetura.

Livro favorito: Todos os de José Saramago.

Filme favorito: Todos os protagonizados por Harrison Ford.

Hobbies: Aeromodelismo e ski.

António Neto Freire

Sobre o autor

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