Para além da interioridade e dos problemas todos que ela acarreta, por demais explicados (quer o país se importe ou não), a Mêda vive ainda entalada numa indefinição existencial: não pertence à Serra da Estrela e está um tudo-nada a sul do Douro, não conseguindo fazer dele bandeira. Não é capital da amêndoa, da castanha, da alheira, do nabo, de nada.
É, como me habituei a dizer, a terra que fica entre Foz Côa e Trancoso. Tem bons produtos, muito bons, riqueza histórica para dar e vender (que vende pouco, mas já lá vamos) e nunca conseguiu projetar uma marca que a distinguisse inequivocamente. É mais conjuntura que identidade.
Sejamos objetivos: não acredito que nenhum autarca, por mais competente e arrojado que seja, consiga trazer, de forma direta ou imediata, famílias para viver na Mêda. Nem fixar uma empresa criadora de 100 postos de trabalho. Já não vamos a tempo desse comboio, lamento constatar. O ponto de partida deve então ser: resolver os problemas das pessoas, melhorar a sua qualidade de vida e promover a criação de riqueza. E essa criação dependerá, grosso modo, do turismo e da capacidade de acrescentarmos valor aos nossos produtos.
Temos uma aldeia histórica (Longroiva, a 9km da Mêda) e uma aldeia histórica (Marialva, 7km), perfeitamente servidas por hóteis de charme que, são, aliás, dois dos melhores embaixadores do nome da nossa terra. Servem um turismo de luxo, dirigido a elites, que, pelas suas características, funciona num circuito relativamente fechado. Apesar de não interagir muito com a dinâmica local, tem um contributo inestimável para o concelho.
Tínhamos muito a ganhar se apostássemos também, com a mesma inteligência, numa outra franja. Os jovens desenrascados do mochilão, que se atiram às terras e as tornam trendy, que viralizam, que converteram o velho em pitoresco, que não vêm propriamente com as carteiras cheias mas que criam uma riqueza intangível: o tornar conhecido. E isso leva à auto-estima, que leva à identidade, que leva ao sentimento de pertença, etc, etc, etc.
Vem isto a propósito porque descobri há dias que um dos instagrammers mais influentes em Portugal tem raízes na Mêda. Não só o contratava para passar cá uma temporada a divertir-se, como eu próprio passava o tempo todo a dar-lhe palmadinhas nas costas e a levar-lhe as nossas tostas mistas à boca, se fosse preciso.
Sugeri há uns anos, numa folhinha de propostas para entregar ao executivo municipal, que devíamos pensar em organizar um Encontro Nacional de Geocachers nas nossas aldeias históricas. Mal a proposta foi ignorada, percebi: bingo, é mesmo uma boa ideia.
Porque, na Mêda (ou noutra qualquer terra, mas falo pela Mêda), por princípio, estas coisas são ignoradas ou olhadas de lado. Não se encaixam no eixo habitual de evento óbvios que, por se fazerem todos os anos, se vão continuar a fazer todos os anos. Só passam a ser aceites uns 4 ou 5 anos depois, quando os resultados forem incontestáveis.
Foi assim com o Mêda+. Fez o seu caminho sozinho antes de dar frutos; faz o seu caminho em ombros desde que começou a aparecer na rádio, na televisão e se tornou o maior evento alguma vez feito aqui. Como é possível que um festival barato que traz bandas estranhas tenha conseguido ter mais visibilidade que as Feiras Gastronómicas da terra ao lado que levam o Anselmo Ralph? Gostava que nesta altura do campeonato já não fosse preciso explicar, mas sim, é isso, é ser diferente em vez de copiar fórmulas saturadas.
Nestas eleições não queria votar num candidato competente, cumpridor, ou que faz o que promete. Preferiria ter a opção de votar num suficientemente maluco ao ponto de poder ligar os máximos, para ver mais à frente, e acreditar em projetos com retorno mais demorado mas muitíssimo mais interessante. Pronto, vá, entrego-me: dou o meu voto a quem permitir uma esplanada com gelados, cerveja e caracóis no parque municipal.
Li que uma das ideias para os próximos anos é a criação de uma incubadora de startups. Para startups que não vão nascer, acrescento eu. Muitíssimo mais simples, sem a criação de gabinete nenhum: arranjem uma pessoa extremamente competente que ajude os micro-empresários a preencherem candidaturas a apoios públicos, a ultrapassar o processo burocrático bem difícil de certificar os seus produtos, a criar um logotipo se for preciso. Os produtores de vinho do concelho estão a posicionar-se cada vez melhor no mercado, com muitos prémios nacionais e internacionais, e com crescente capacidade de exportação, mas há ainda muitas outras áreas a precisar de ajuda.
Outra moda a que queremos aderir, claramente seduzidos por algum outro concelho, são os centros interpretativos. Prevê-se que nos próximos anos nasçam na Mêda cerca de cento e oitenta e sete mil novos centros interpretativos. Centros interpretativos. Que não sabemos muito bem o que são, mas o nome dá muita pinta. Esses centros interpretativos já estão, inclusivamente, a começar a ser construídos pelo telhado. Porque a criação de um centro interpretativo é o culminar de anos (décadas) de trabalho de investigação e tratamento de informação, mas nós aqui vamos é já abrir as portas. Pouco importa se temos museus e salas de exposições mais que suficientes. Desta é que é. Sugiro um nome: “Expoente Máximo do Avulso”.
É que a Mêda tem infra-estruturas espetaculares. O mais caro até já está feito. Agora falta aquela parte que dá chatice, que é ter criatividade para lhes dar mais vida. Tosta mista, é isso. Podíamos ser a capital da tosta mista.
Pedro Rebelo Pereira é formado em Comunicação, tem 24 anos, vive em Lisboa e trabalha na NOVA FCSH. Nasceu e cresceu na Mêda, já se fartou de escrever sobre a sua terra e organizou o festival Mêda+ até 2016. Vai de mês a mês a casa, e pode passar a ir com maior ou menor regularidade dependendo do resultado das próximas eleições. Ideologia política: desiludido.
_________________
Pedro Rebelo Pereira
O INTERIOR / Sapo24