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A mais bela revista do Mundo

Quando uma publicação, e ainda para mais periódica, exige escolher com rigoroso critério os seus leitores, e o faz com tenacidade, felicitá-la pelas bodas de prata torna-se não apenas um dever de cortesia, mas uma oportunidade de exultação. Ostensivamente contra toda a gama de sectarismos, e desde logo o dos estultos académicos, o dos pacóvios avant-gardistas, e o dos cultivados ortodoxos, a ‘FMR’ ama o que é amável, e compartilha com os que a lêem a higiénica consequência da sua opção.

Tendo eleito como título da revista que fundou, coisa que não deixará de denunciar cativante narcisismo, as iniciais do seu próprio nome, logo no editorial do número primeiro, o de Março de 1982, Franco Maria Ricci declarará o seguinte: “FMR pretende mostrar a beleza inumerável e secreta que nos cerca, mesmo quando a desatenção, ou a cegueira, de quem nos guia nos induz com frequência a repetir o lamento de Agrippa d’Aubigné. ‘Os Príncipes não possuem olhos para ver as suas grandes maravilhas – as suas mãos apenas servem para nos perseguir’”. E pouco depois formula Ricci novo empenho profiláctico, o de que a sua revista sobreviva “sem a assistência do poder, e sem o mecenato das empresas”.

Mas o percurso da ‘FMR’, assente em semelhantes propósitos, realizar-se-á sobretudo na base da surpresa constante, a que sintetize a raiz da poesia, a começar pelas imagens, algumas das quais porventura já nossas conhecidas, mas de repente fervorosas e interpelantes. Sobre os característicos fundos negros, e com o cheiro envolvente dessa tinta de impressão que não evoca outra qualquer, são as páginas da ‘FMR’ que afinal folheiam os nossos dedos. Por aí se exerce a humanitária missão de eliminar a chateza de tudo quanto se reduz a papel para o lixo, e antes disso a motor de bocejo incontrolável.

Acolhendo colaborações tão díspares, mas simultaneamente tão pouco dignas de esquecimento, como as de Marguerite Yourcenar e Italo Calvino, de Günter Grass e José Saramago, de Susan Sontag e Octavio Paz e Pascal Quignard, a ‘FMR’ emprega-se em honrar o eterno, reabilitar o efémero, celebrar o “kitsch”, e repescar o “out-of-the-way”. Ela oferece ao seu público uma pedagogia oportuníssima, a satisfazer tanto os que não dispensam o “foie-gras” do Fauchon na ceia de Natal, e que nunca se cansam de o proclamar, como os que consideram a açorda com jaquinzinhos a apoteose da gastronomia universal, e que tanto se esforçam por o esconder.

Várias histórias se associam ao nascimento da publicação que ora se festeja, mas nenhuma como essa, verdadeira ou falsa, que imputa ao menino de ouro do clã Ricci a responsabilidade. Conta-se que, tendo-lhe proposto o progenitor, ao chegar o moço à maioridade, presenteá-lo com um Ferrari, ou com uma geringonça que o valha, fora de série, lhe teria sugerido o aniversariante que o contemplasse antes com uma pequena casa editora, algo à margem dos comércios correntes, ao que o velho, não se sabe se com impaciência, se com divertimento, acabaria por aceder.

De todo o modo, e não só pelas vistas, nem pelas linhas, com que se rende homenagem a uma certa condição europeia, mas também pelos valores, e pelos contravalores, que universalmente postula, a ‘FMR’ que comemora o quarto de século continuará, assim o desejamos, e conforme nos prometeu o seu mentor, a cumprir o voto de “dare all’Italia il primato della più bella rivista che esista”.

Por: Mário Cláudio

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