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A lei de limitação de mandatos

Editorial

A poucos dias da decisão do Tribunal Constitucional (TC) sobre a limitação de mandatos – e correndo mesmo o risco de que, quando o jornal chegar às mãos do leitor, a resolução já tenha sido tomada – este é o último momento para reflectirmos e nos debruçarmos sobre o teor e o objectivo da lei, independentemente de preferências pessoais ou opções politicas.

Estranhamente, raras são as vezes em que se transcreve a lei, apesar de tantas vezes se formularem sobre ela as mais diversas elucubrações. De resto, em especial os que preferem ver na lei o que ela não diz, derramam-se considerações laterais, por vezes de cariz «técnico-jurídico», para assim deturpar ou esconder a clareza e objectividade do texto. Como escreveu José Carlos Vasconcelos (in Visão), «as leis são feitas para serem lidas e compreendidas pelos cidadãos comuns a que se destinam» e não deve haver a ideia de que são para serem «“interpretadas” por iluminados que podem sustentar e impor que elas não dizem o que os cidadãos nelas lêem mas outra coisa». O principal argumento dos que encontram algum tipo de complexidade na Lei nº 46/2005 de 29 de agosto, que «estabelece limites à renovação sucessiva de mandatos dos presidentes dos órgãos executivos das autarquias locais» é a de que suscita dúvidas sobre a limitação de direitos (nos termos constitucionais e que não se pode limitar o direito a alguém de ser eleito), e assim seria só territorial e não funcional. Ou, num outro nível argumentativo, de que as leis devem ser interpretadas numa perspectiva teleológica atendendo aos objetivos que visam e aos valores e princípios que lhe estão subjacentes – a mera limitação territorial cumpre o objetivo de mudar de território e de eleitores, mas não cumpre, por exemplo, os atinentes de combate à teia de interesses, do clientelismo, da corrupção ou dos hábitos pestilentos, etc. Por último, o texto: «O presidente de câmara municipal e o presidente de junta de freguesia só podem ser eleitos para três mandatos consecutivos». Isto é o que está escrito no Artigo 1º (de dois, sendo o segundo referente à «entrada em vigor»), ponto 1 (de três), e, como salientou José Carlos Vasconcelos, «com toda a evidência, para quem sabe ler e lê o que está escrito e não o que deseja que estivesse, de uma limitação absoluta». A lei não precisa acrescentar nada, e se acrescentasse algo mais, como «na mesma autarquia», seria um pleonasmo e contrariaria a língua portuguesa e a técnica legislativa.

Os constitucionalistas preferem discutir a complexidade argumentativa sobre a interpretação da lei e a sua constitucionalidade; os pareceres, ainda que «de capelo» e de prestigiadas personalidades, interpretam a lei e a Constituição de acordo com a vontade, tendência, ideologia e cliente; a lei é simples e qualquer pessoa pode lê-la e interpretá-la no “Diário da República” (ver em www.cne.pt/sites/default/files/dl/legis­lei­46­2005.pdf). Claro que tudo isto vai muito para além do pressuposto óbvio de que todos os candidatos, com limite à renovação de mandato, exerceram funções de forma competente e desinteressada, e não faz sentido lançar um anátema sobre pessoas que, em muitos casos, deram um extraordinário contributo para o desenvolvimento dos territórios (nem devemos esquecer que o “espírito” original da lei era acabar com casos como o de João Jardim na Madeira), mas à letra da lei não deviam ter decidido avançar com as suas candidaturas. Independentemente da decisão final do TC, seria preferível que a mesma fosse tomada por todos os juízes integrantes (15) e não apenas pelo segundo turno (seis), mais o presidente (ou a vice-presidente), como se prevê, para dar maior força à deliberação e evitar especulações.

Luis Baptista-Martins

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