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A Irlanda

Passou muito tempo desde a “Grande Fome” da segunda metade da década de 1840, que matou quase um milhão de irlandeses depois de se perderem sucessivas colheitas de batata. Durante muitos anos a vida na Irlanda foi de pura miséria, só muito tarde vencida e já bem dentro da segunda metade do século XX. Já recentemente, a aposta na educação e a atracção de empresas de alta tecnologia, fabricantes de produtos de elevado valor acrescentado, trouxeram taxas de crescimento inéditas, semelhantes às de algumas economias do Extremo Oriente. Falava-se então, e com propósito, do “Tigre Celta” e de como o seu modelo de desenvolvimento deveria ser um exemplo para nós.

Hoje diz-se o oposto e há comentários sardónicos sobre o destino dos irlandeses, mais perto do que nós do FMI e aparentemente em muito pior estado do que o nosso. O défice deles é o triplo do nosso e vão ter de sofrer muito para ultrapassar a presente crise. O modelo irlandês, por isso, não era de seguir…

Esta a típica maneira preguiçosa de resolver as coisas e matar argumentos. É, no pior que tem, muito portuguesa. “Correu mal? Então estava tudo errado”. É claro que se devem procurar as causas dos efeitos a evitar e não se devem tirar conclusões precipitadas só porque alguma coisa correu mal.

No caso irlandês, então, é fácil: o actual monstruoso défice, correspondente a um terço do PIB, não se deve ao grande número de funcionários públicos, ou a quilómetros e quilómetros de auto-estradas, ou sequer a políticas erradas. Deve-se tão só ao facto de o governo irlandês ter sido obrigado a intervir com muitas dezenas de milhões de euros para impedir a falência generalizada da banca do país. Esta estava demasiado exposta à bolha imobiliária e quando os activos começaram a perder valor não houve banco que não ameaçasse falir. Nisso, os irlandeses tiveram menos sorte que nós, que apenas tivemos de socorrer o BPN e o BPP.

A parte para nós triste disto é que os fundamentos da economia irlandesa, por mais que digam, são mais correctos que os nossos. Quando a crise terminar vão continuar a produzir mais riqueza do que nós, com metade dos habitantes, e continuar a exportar bens e serviços de mais valor, salários mais altos e melhores esperanças de futuro. Nós, por cá, vamos ter para exibir auto-estradas vazias e milhões de toneladas de betão que, se para allguma coisa serviu, foi para destruir a paisagem.

Por: António Ferreira

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