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A Ira de Deus

Opinião – Ovo de Colombo

Edward Paice é formado em História pela Universidade de Cambridge, tendo revelado especial interesse pela história africana, o que o levou à publicação de obras como “World War I: The African Front e Tip and Run: The Untold Tragedy of the Great War in Africa”. É director do Africa Research Institute e membro da Royal Geographical Society.

O seu interesse pela sismologia e a admiração pela cidade que “renasceu das cinzas” levou-o a compilar tudo o que se publicou sobre o terramoto de Lisboa, do século XVIII para cá, e a escrever “A Ira de Deus: O Grande Terramoto de Lisboa, 1755”.

Nesta obra, o autor oferece-nos uma imagem de Lisboa, pré e pós terramoto, veiculada pelo olhar estrangeiro, sobretudo pela comunidade inglesa a residir na altura em Portugal, assim como muitos outros que se encontravam de passagem, por motivos de negócio, de saúde (pelo tão aclamado clima de Lisboa) ou simplesmente de visita a uma das mais grandiosas cidades europeias. O capítulo “Um Império Dourado” descreve imagens de ostentação e riqueza, à custa do ouro descoberto recentemente no Brasil, com referência à construção megalómana, no reinado de D. João V, dos mais belos monumentos da Europa: o Convento de Mafra, a Casa da Ópera ou o Aqueduto das Águas Livres.

Já no reinado de D. José, no dia 1 de Novembro de 1755, Dia de Todos os Santos, Lisboa é descrita como uma cidade “bela e clara”, marcada pela azáfama à volta do rio Tejo, importante porto mercantil na altura, e a movimentação das pessoas à volta das igrejas. Nada fazia prever a catástrofe que se abateria sobre a cidade. A dimensão do terramoto, não só em Lisboa como noutros pontos do globo – da Espanha às Caraíbas, passando por Inglaterra, Irlanda, Noruega e Suíça, onde as repercussões do sismo se fizeram sentir – é-nos descrita pelo autor com uma pormenorização de dados factuais, de números e sobretudo citações de relatos de vivências em primeira pessoa que conferem à obra um toque de originalidade.

No antepenúltimo capítulo intitulado “O fim do Optimismo, o Nascimento de uma Ciência”, Paice desenvolve a tese que este desastre natural, único na sua dimensão e consequências, esteve na origem do nascimento de uma nova era no pensamento ocidental. No “Poème Sur le Désastre de Lisbonne”, Voltaire é o primeiro a questionar “a ira de Deus” como explicação divina para os desastres naturais. Um alargado debate filosófico precedeu o fim das justificações teológicas e deterministas para os grandes eventos e lançaria as bases da investigação segundo linhas científicas modernas. O mundo nunca mais seria o mesmo.

Cristina Caramujo*

*Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas pela Universidade de Coimbra

**A autora optou por escrever de acordo com a antiga ortografia

Sobre o autor

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