1. A pergunta dá título a um artigo que fez sensação nos Estados Unidos há meia dúzia de anos: “Is Google making us stupid?” e pretendeu na altura discutir o papel da Internet no abandono da leitura de formato clássico e questionar se mesmo um leitor tradicional lê ainda da mesma maneira e com a mesma facilidade depois do advento da Internet. Nicholas Carr, o autor, começa por partir da ideia de que o trabalho e o lazer com a Internet começam a condicionar os utilizadores transformando (e diminuindo) a sua capacidade de ler. Quando antes se passavam horas deliciosas digerindo com prazer uma obra, hoje acontece que após algumas breves páginas, o espírito começa a recusar essa leitura, condicionado pela leitura da Internet. Nesta, a pesquisa de uma informação é uma maravilha, sendo a estratégia simples e eficaz de maneira geral. De link em link acontece no entanto muitas vezes que já não estamos no quadro de estudo que traçámos e navegámos para outros oceanos.
Como se compreende então a distração ao tentar ler à maneira antiga um artigo ou um livro? É que o nosso espírito começou a ficar formatado para ler «como um fluxo de partículas» e é assim que espera receber a informação. As redes sociais e a navegação na Internet em geral privilegiam uma leitura «para desnatar» apenas, criando mecanismos cerebrais que nos viciam nesse tipo de leitura, de bicar aqui, bicar acolá, de saltar de ligação em ligação e de não permanecer mais que breves minutos no mesmo ramo. Os estudiosos chamam a isso «ler em modo de esqui aquático», sem mergulhar para afundar.
Isto é, mudou não apenas a maneira de ler mas também a maneira de pensar. Ao privilegiar a eficácia e o imediatismo, a capacidade de refletir e interpretar a partir da leitura perdeu-se. Da mesma maneira que a escrita ideográfica chinesa não desenvolve os mesmos circuitos cerebrais que a escrita alfabética (ocidental) permite, também a leitura pela Internet pode estar a desenvolver as capacidades cerebrais de maneira diferente relativamente à leitura de livros impressos. Sendo o cérebro infinitamente plástico, ele poderá estar a transformar e a condicionar a nossa maneira de ler. E quando lemos um livro em e-book, parecendo que é a mesma coisa que um livro impresso, a Internet já o condicionou, já introduziu informação suplementar, links sem necessidade, publicidades, imagens, etc.
2. A desumanização de que acusamos a Net, com a sua falta de ética pelo facto de aceitarmos ser absorvidos por este sistema sem lhe darmos resistência, assemelha-se, diz Carr, ao fenómeno da taylorização que levou, em nome da eficácia, ao sistema de trabalho em série que hoje conhecemos e que em muitos casos usa e abusa das pessoas nas unidades produtivas. A Google, ao divinizar o “sistema” e a “medida”, fez para o trabalho do espírito aquilo que o taylorismo fez para o trabalho manual. Como refere o texto, «reflexão lenta e concentrada são as últimas coisas que as companhias como a Google desejam», já que eles investem na transição rápida entre assuntos, que permite atingir mais publicidade e por conseguinte mais receitas. É um “business-model” que funciona.
3. Ligando agora ao contexto escolar, não custa imaginar que, ao lado das extraordinárias vantagens que a Internet trouxe aos alunos, se instala agora a necessidade de saberem lidar com duas leituras de ordem diferente, uma mais voluntária e afetiva na Net, outra que eles acharão retrógrada mas em que é necessário investir, já que as instituições e os cérebros não se digitalizam do pé para a mão. Nesta época de transição os alunos gostam da Net mas não podem, apesar do aborrecimento, largar a leitura extensiva e de reflexão mesmo quando o cérebro parece desligar perante certos estímulos. O mesmo quando o estudo lhes exige sistematização, desafios e adesão pessoais, uma aplicação emocional que nada se parece à outra, quase automática, quando respondem aos estímulos da Net. Pedir-lhes paciência, teimosia, capacidade plástica, aceitação do sacrifício será demais?
Não subestimemos pois as dificuldades dos jovens, a quem temos apenas o gosto de acusar de estarem viciados em portáteis e smartphones. E demos-lhes a mão amiga e a palavra orientadora quando a paciência (deles) não existe e eles sentem vontade de desistir ao primeiro pedido de sacrifício. Estudar é um trabalho em que não se faz apenas aquilo que se gosta de fazer.
Boas festas! Feliz 2017!
(“Is Google making us stupid?”, de Nicholas Carr, está disponível em inglês em theatlantica.com e em francês em internetactu.net)
Por: Joaquim Igreja