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A insustentável subtileza do poder

Bandarra-Bandurra

Nunca o poder, depois do chamado período da ditadura, foi levado ao limite do ridículo e do subtil sistema de censura, como agora se verifica através do partido no Governo e principalmente do seu líder, muito embora este último, classificando a imprensa “de buraco de fechadura”, tente remedar o caso com o palavreado que lhe é peculiar, o gesto, a indignação e sobretudo a lástima com os chavões do “absolutamente lamentável” e de “essa infâmia”.

Quando escrevo isto, até as mãos me tremem. Nunca suportei a censura, a limitação às ideias, aos ideais e ao pensamento, abomino os censores e os ditadores que os manipulam.

Não me lembro de tanta confusão, de tanta tentativa de manipulação dos órgãos de comunicação social como o que vem à tona nos noticiários livres (fará o que se encontra, ainda, encoberto), como na era socrateana. O homem, inquieto com as notícias e comentários que lhe não são favoráveis, salta feroz, insolente, sobrancelhudo, desassombrado, e atiça os lacaios a fazerem aquilo que ele gostaria de fazer mas não lhe fica bem fazer.

A coisa chegou a tal ponto, que já se comparou o seguinte: já há mais jornalistas a contas com a justiça por causa do famoso Freeport do que houve acusados por causa da queda da ponte de Entre-os-Rios. A derrocada da ponte matou pessoas, os jornalistas “matam” a imagem do poder. São alguns os jornalistas processados por notícias ou comentários adversos ao Chefe do Governo, fora os que, sem serem acusados, são subtilmente afastados pelas direcções e administrações dos meios controlados e afectos à causa.

“Não é assim que me vencem”, diz num assomo de coragem e de impunidade o mesmo Chefe do Governo. Pudera!…

Dos muitos casos de controlo dos media, saltou subitamente, a lume de comunicado da direcção, o favor que fez ao regime socialista actual o director do Jornal de Notícias, ao calar ao incómodo plumitivo cáustico Mário Crespo. Ele andava a tocar na matéria proibida, melindrava o chefe, remexia no dogma do todo poderoso primeiro ministro, beliscava (ou arranhava) o intocável marquês pombalino, nem sequer devia utilizar a sua coluna de comentador para proclamar o alegado (convém não esquecer de colocar aqui “o alegado”) achincalhe de que tinha sido vítima.

Não suportei a atitude do director do diário e enviei-lhe um e-mail, que ele terá lido sem lhe tirar o sono ou terá apagado depois de provar o assunto. Da carta, reproduzo parte, devidamente identificada entre aspas.

“Lê-se o que se segue e não se acredita. Leite Pereira, que foi posto à frente de um até agora prestigiado jornal português, o JN, acabou de utilizar o lápis dos velhos censores (que certamente já terá criticado) para apagar um artigo de opinião, só porque este, escrito pelo jornalista Mário Crespo, se referia ao “patrão” do País, ou seja, ao Sr. Sócrates.

“As ditaduras amordaçam a imprensa, porque esta é uma via de combate que não as deixa florescer. Não é ditador quem quer, porque as circunstâncias e as instituições democráticas ainda vigiam, mas a tendência do repúdio à crítica está na génese da raça dos pretensos candidatos.

“As desculpas da Direcção do Jornal, reportadas a uma escusa a coberto do direito do contraditório, só devem ter sido agora utilizadas. Ora, todos os comentadores estão sujeitos à contradiga pelas vias normais, inclusive as do foro judicial. Depois, não me digam que o JN não recorre “habitualmente” a informações como prática noticiosa, porque não corresponde à verdade.

“Diga antes, Sr. Leite Pereira, que os textos do Mário o incomodavam. Agora, incomoda-me, a mim, (que fui colaborador externo da Notícias Magazine) a continuidade da aquisição de um jornal que se sujeita à censura, não externa, mas internamente.

“Certamente o título JN voltará, mais tarde (assim o creio), com nova direcção, porventura através de novo poder económico, ao prestígio que ora se abala. Então continuarei a ser um leitor fiel.

“O Sr. Leite Pereira – ainda que me desculpe a frontalidade – errou nesta sua atitude, quanto a mim despropositada, desproporcionada e comprometida.

“Viva a liberdade de imprensa.”

Ainda não tinha arrefecido esta censura, eis que o semanário “Sol” aponta “indícios muito fortes da existência de um plano em que está directamente envolvido o Governo, nomeadamente o senhor primeiro-ministro”, visando a interferência no sector da comunicação social e afastamento de jornalistas incómodos (com coluna vertebral, entenda-se, em contraponto com os invertebrados seguidistas e comprometidos), bem como a compra da TVI e o afastamento, através da Prisa da área de “siesta” do “sapateiro espanhol”, da direcção inconveniente e da jornalista que não abonava a imagem do homem.

A litigância com a imprensa não seguidista torna-se cada vez mais absurda e indesejável num Estado de Direito. Resulta de uma indecorosa interferência do poder político, a princípio através da subtileza esfumada desse poder, ora impúdica, sem discreção, intimidatória.

Não pode ser livre um povo que vota em quem não lhe concede a liberdade de falar, pensar, criticar. Calar a imprensa é calar a opinião pública livre. Não existirá apenas um processo “Face Oculta”, mas outro “Censura Oculta” (se bem que às claras) e, se não fosse a perda da maioria, um outro bem pior, a “Ditadura Oculta”. Este 18º Governo Constitucional, na continuidade reduzida da maioria do antecessor, inábil na pessoa do seu líder e censor nas atitudes que toma, tem justificado, 36 anos após a deposição da censura, o regresso da mordaça.

Por: Santos Costa

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