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A inocência de Cavaco segundo um “génio”

João César das Neves (JCN) foi assessor económico de Cavaco Silva, salvo erro, entre 1991 e 1995. No final dos anos 1990, lembro-me de Cavaco o ter considerado um «génio» – o elogio veio a propósito de uma crítica a uma remodelação governamental qualquer de Guterres, que tinha o hábito de promover secretários de Estado a ministro, coisa que ele, Cavaco, jamais tinha feito, mesmo quando teve à sua disposição um “génio” como JCN.

No seu último artigo publicado no DN, JCN mostra-se muito indignado com a «intelectualidade» indígena porque, imagine-se, deram agora para considerar que a origem da atual crise está «nas decisões de Cavaco Silva enquanto primeiro-ministro». «Será que faz sentido», pergunta ele.

Para JCN, é claro que não faz sentido nenhum. Tal aberração tem como explicação o facto de termos «uma intelectualidade displicente que nunca se esforça por fundamentar com rigor as teorias que impõe por inércia».

Como é evidente, Cavaco Silva não é único responsável da atual crise – nem nunca ninguém disse tal enormidade. Há muitas causas e muitos responsáveis. Todavia, como afirmou Vasco Pulido Valente recentemente numa entrevista ao “Público”, foi «Cavaco que empurrou o carrinho pela descida abaixo». Em especial, na última parte da sua governação (1991-1995), precisamente quando terá contado com a assessoria económica de JCN – mas isso com certeza foi uma mera coincidência.

A título de exemplo, não foi Cavaco Silva que criou um sistema de promoções automáticas na função pública, cujas ondas de choque na despesa do Estado se fizeram sentir muito para além do inicialmente previsto? Não foi ele que criou o 14º mês para os pensionistas? Não por acaso, em 2005, Miguel Cadilhe, seu ex-ministro das Finanças, o acusou de ser o pai do “monstro”.

Numa palavra, Cavaco Silva elevou as expectativas dos portugueses para níveis muito acima das possibilidades do país. E foi aí que começou o desastre. É verdade que os que vieram a seguir não emendaram os erros que vinham de trás, pelo contrário, agravaram ainda mais a situação. Só que nada disso iliba Cavaco Silva.

Sobre as decisões económicas do seu ex-chefe, JCN brande estatísticas sobre a produção das pescas, indústria e agricultura no período em causa para tentar provar que o problema não começou com Cavaco. E diz não perceber qual o «interesse que a Europa teria em nos arruinar». A questão não é essa. Quando um governante faz opções, não pode, como é evidente, prever todos os seus efeitos, em especial a médio e longo prazo – pelos vistos, nem um “génio” pode. Enfim, e ao contrário do que reza a lenda, Cavaco Silva às vezes também se enganava.

Por: José Carlos Alexandre

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