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A (in)justiça

Editorial

1. O novo mapa judiciário vem, mais uma vez, pôr em causa o ordenamento judicial. Mas vem sobretudo colocar um problema de sobrevivência às comarcas, tal como as conhecemos. Não há dúvidas que, a bem da optimização de meios e melhor funcionamento da justiça, unanimemente considerada um “problema” pela sua morosidade, é necessário reformá-la. Porém, o que está em cima da mesa é a restruturação do mapa e o encerramento de tribunais. E uma vez mais o interior vai sangrar e sofrer a organização a regra e esquadro, feita de acordo com números e sem olhar a distâncias ou aspetos sociais e culturais. Se a reforma do primeiro governo de Sócrates criava um ordenamento cego de 39 comarcas, o novo mapa vai criar apenas uma por distrito (18) e mais duas nas regiões autónomas. Ou seja, vai haver 20 comarcas – e isto irá implicar o encerramento de tribunais e serviços de justiça por todo o país, os nossos municípios serão amputados de um dos poucos serviços que ainda funcionavam de forma desconcentrada. Pretende-se mais eficiência e celeridade e, convém, mais justiça… A melhor gestão dos recursos, cada vez mais escassos, é compreensível e merece o aplauso. Porém, nem tudo é linear, pois reformar a justiça não pode ser apenas encerrar tribunais e criar mega estruturas. A justiça é para as pessoas e deve servir o interesse dos cidadãos com probidade e igualdade, ainda que isso custe dinheiro.

2. Leio e não acredito. «Já há juízes a passar fome», diz Maria José Morgado, diretora do DIAP de Lisboa, que afirmou, categoricamente, que «há magistrados, polícias e funcionários (da justiça) pés descalços, a passar fome»! Se em relação aos últimos, não comento, sobre os primeiros (magistrados), Maria José Morgado só pode estar a gozar com mais de um milhão de pobres a quem a fome bate à porta todos os dias (segundo a OCDE, em Portugal há dois milhões de pobres e mais de metade não faz uma refeição “normal” por dia). A irreverente procuradora falava sobre os milhões mal gastos na justiça, denunciando genericamente o esbanjamento de dinheiros públicos que se verifica, mas não precisava de recorrer a tamanha demagogia para chamar a atenção: os juízes estão entre as profissões bem pagas deste país. E ainda bem.

Depois de Cavaco Silva, o mais alto magistrado da nação, ter vindo chorar na praça pública por já não ganhar para as despesas (as tais que são integralmente pagas pela Presidência da República), enquanto omitia a sua choruda reforma de cerca de 10 mil euros, agora foi Maria José Morgado, uma referência de uma certa esquerda chique e intelectual, irreverente e culta, a fazer o choradinho… Haja paciência!

3. A TDT entrou-nos pela casa dentro… entrou? Quem a pediu? Para que serve? O que é que o cidadão ganhou com a migração para a televisão digital terrestre? Porque é que o telespectador tem de pagar, quando os grandes beneficiados são os operadores de telecomunicações?…

No Reino Unido passou a haver 43 canais disponíveis em TDT. Em Itália 39. Na Alemanha 35, em Espanha 27 e em França 18 canais. E se Portugal tivesse dezenas de canais em sinal digital? O Meo perderia clientes e a Portugal Telecom, “gestora” da TDT, ficaria privada de receita. Ou seja, ao contrário dos demais cidadãos europeus que passaram a ter acesso a vários canais gratuitamente, os portugueses têm de comprar um dispositivo para continuar a ver os quatro canais que até agora viam sem pagar nada. Supostamente aumenta a qualidade da imagem, mas os conteúdos continuarão a ser a mesma porcaria. Uma imoralidade. E é precisamente para se opor a esta imoralidade que existe a ANACOM, mas não, ninguém defende as pessoas, aquelas que têm na televisão a última companhia, que têm nos quatro canais generalistas a única família que lhes proporciona algum momento de lazer e rompe a solidão. A companhia que a TDT vai apagar. Ou pagam quase 100 euros para ter sinal e ver os quatro canais a que deviam ter direito gratuitamente. Uma injustiça… em especial, para quem vive no limiar da pobreza e por vezes passa fome.

Luis Baptista-Martins

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